SEXTILHAS A UM MENINO JESUS D'EVORA

_A João Barreira_

«Em Evora vi um menino...
...Que a dois annos não chegava
...Era de maravilhar»...

Garcia de Rezende. _Miscellanea._

Num convento solitario
D'Evora, cidade clara,
Claro celleiro de pão,
Existe uma imagem rara
Obra dum imaginario
Dos tempos que já lá vão...

É um menino Jesus,
De bochechinha brunida
Côr de maçã camoeza,
Mas no seu rosto transluz
Uma expressão dolorida
Que enche a gente de tristeza...

De tantissimas imagens
Nenhuma vi que mais prenda,
Que maior ternura expanda,
Com suas calças de renda,
Seu vestido de ramagens,
--E corôa posta á banda...

Gordo, nedio, bem trajado,
Deveria ser feliz,
Deveria estar sorrindo;
Mas o seu olhar maguado,
Tão maguado, tão lindo,
Que não o é, bem n'o diz...

Se não fosse por ser Deus
E o seu poder infinito
Ter sempre que o demonstrar,
Cá na terra e lá nos ceus,
Estenderia o beicito
--E desatava a chorar!...

Corre o tempo descuidado,
Passa uma hora, outra hora,
Atraz desta outras se vão
E, quem o vê, encantado,
Sem se poder ir embora
Numa perpetua attração...

Eu entrei com sol a pino.
Pouco depois da chegada
(Pouco a mim me pareceu)
Deixei de ver o Menino...
Não era a vista cançada,
--Foi a noite que desceu...

Mesmo assim lá ficaria
Absorto em muda prece
De quem mal sabe rezar,
Se o sacristão não viesse,
Com rodas de Senhoria,
Dizer-me que ia fechar...

Pudesse tel-o trazido
E não fosse eu rico, apenas
De phantasias, d'esp'ranças,
Punha-o num nicho florido
Por sobre as camas pequenas
Dum hospital de creanças...

Dum hospital modelar
Sustentado por meus bens,
Entre olaias e roseiras,
Cheio de sol, cheio d'ar,
E em que as boas enfermeiras
--Seriam as proprias mães...

A mais ampla enfermaria
Desse escolhido local
De bondade e soffrimento
--Era o fundo natural
Da funda melancolia
Do Menino do convento...

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