Simples cartas

 Lembro-me como se fosse hoje, era setembro e a rua das Andorinhas estava forrada de Ipês, flores agora murchas, formavam um colorido tapete, aquela rua que ora estava tão linda e vislumbrante, já não chamava mais atenção, não mais pela sua beleza, pois agora, deixava no ar uma tristeza inexplicável, talvez não para todos que por ali passavam, mas excepcionalmente para mim, pois aquela época foi a mais triste de minha vida.

 Éramos eu, minha linda esposa e nossos dois filhos, Rebeca e Juliano, se me lembro bem, ambos tinham apenas nove e onze anos de idade, mas para mim eram como dois adolescentes, não me lembro de nenhuma vez sequer na qual os dois não me acolheram em seus pequenos braços quando embriagado eu batia no portão de nossa casa.

 Desde a juventude, entrei para o mundo do alcoolismo, nasci em uma família alcoólatra e presenciei a mesma desmanchar-se em caos. Mais tarde, segui os passos de meu pai e destruí não só minha família, mas também a mim mesmo.

 Sei que é tarde, e não há mais ouvidos para mim, mas se houvesse uma máquina do tempo, juro que usaria todas as forças que me restam para alcançá-la e como eu mesmo dizia no passado, "nada e ninguém iria me impedir". Fui um péssimo pai, como esposo, pior ainda, mas o que me resta fazer, se nem lágrimas consigo derramar?

 Um dia fui um jovem sonhador, hoje sou mais um velho qualquer; vejo que não tenho espaço mais neste mundo, com tantas preocupações, ninguém percebe um velho na sarjeta, tudo que carrego comigo são uma fotografia de minha amada e pequenas cartas que escrevo nas madrugadas de insônia.

 Quantas vezes desejei uma única chance? Sei que apenas uma chance me basta, se encontrasse um jovem como um dia eu fui e pudesse ter apenas uma parte de seu precioso tempo, lhe contaria toda a minha história, uma história triste, uma história de um drama inigualável, onde sequer achará um único acerto, mas que sem dúvidas lhe serviria como exemplo. Ahh... Raquel, assim, eu não mais lhe decepcionaria.

 ...Naquela tarde de setembro, como de costume, cheguei em casa transtornado, cegamente exaltado e alterado. Ao entrar pelo portão não me dei falta dos abraços carinhosos de meus filhos e nem do olhar de punição de minha esposa, tudo que me recordo quando em minhas lembranças eu volto, é que ao acordar na manhã seguinte, me deparei com um bilhete sobre a mesa.

 "- Meu amor, não consigo mais viver ao seu lado, neste momento eu e as crianças já estamos muito longe, quero que saiba de apenas uma coisa, eu sempre o amei!"

 O mundo é tão imenso e tudo parece ser tão grande, agora sinto que estou em meus últimos momentos de vida, não há mais esperanças para mim. O que pude fazer eu não fiz, eu sei que eu errei.

 Morrerei jovem, um senhor de apenas sessenta e cinco anos, mas ninguém saberá; serei enterrado como um indigente e minha morte não será divulgada. O que um dia eu fui não importa mais, sei que ao fechar meus olhos deixarei para trás todo esse concreto duro em que me deitei durante trinta e cinco anos, todos esses olhares punidores e também minhas cartas, minhas simples cartas. Quem sabe, alguém possa lê-las...

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