SOCRATES
Autor: Soares de Passos on Sunday, 18 November 2012
Já proximo do occaso vae descendo O sol ao mar inquieto, Os moribundos raios estendendo Nas alturas do Hymeto; E Socrates, sentado sobre o leito, Inda aos alumnos falla, No silencio geral notando o effeito Da razão que os abala. A verdade sublime lhes revela Em palavras ignotas, Suaves como a voz de Philomela, Ou do cysne do Eurotas. Cebes, o proprio Cebes emmudece, Simmias já não duvida: Nos olhos do inspirado resplandece Um Deus e a eterna vida! Mas o sol expirava: era o momento Que Athenas decretára: Cumpre os deuses vingar: o sabio attento Á morte se prepara. Os discipulos tremem contemplando O dia já no resto; Eis o servo dos onze entra chorando No carcere funesto. O circulo cruzando, a bronzea taça A Socrates estende; O philosopho a empunha com a graça Que nos festins resplende. «Ergamos, disse, nossa prece Áquelle «Que ao longe nos convida, «Por que seja feliz por meio d'Elle «A viagem temida.» E aproximando intrepido e sereno A liquida cicuta, Como nectar a esgota, e do veneno Entrega a taça enxuta. Um lamento geral, um só transporte Percorre em torno o bando Dos alumnos fieis, chorando a sorte Do mestre venerando. Apollodoro geme; succumbindo, Criton lhe corresponde; Phédon abaixa os olhos, e carpindo No manto o rosto esconde. Elle sem vacillar, elle sómente, Sorrindo á turba anciada; «Amigos, que fazeis? um sol fulgente «Me luz em nova estrada. «De presagios felizes rodeemos «Os ultimos instantes! «Chore quem não tem fé: nós que já crêmos, «Nós sejamos constantes!» Disse, e deixando o leito em que jazia Sereno move o passo, Que o veneno lethargico devia Obrar pelo cansaço. Das grades se aproxima, olha o Parthénon, Olha os muros d'Athenas, O Phaléro, o Pireu e as que lhe acenam Regiões são serenas; Olha os céos, olha a terra, a luz do dia Expirando nas vagas, E de harmonias taes se ergue á harmonia De mais ditosas plagas. Depois, volvendo ao leito, diz a tudo O adeus da déspedida; Cobre o rosto c'o manto, e aguarda mudo O instante da partida. O veneno progride, e já do effeito Redobra a intensidade; Dos membros se apodera, sobe ao peito, E o coração lhe invade. Estremeceu! do gelido trespasse Era emfim a agonia... O executor lhe descobriu a face: Socrates não vivia! Triumpha, cega Athenas, ao martyrio O sabio condemnaste, E d'olympicos deuses no delirio A razão engeitaste; Á voz do Areopágo, á voz de ferro Suffocaste a doutrina: A verdade succumbe, a sombra do erro No mundo predomina. Mas que estrella futura se levanta Rasgando a escuridade? Que palavra resôa, e o mundo espanta Prégando a alta verdade? É elle, é elle, o promettido ás gentes Na voz das prophecias! Curvae, ó gerações, curvae as frentes Ao verbo do Messias!
Género: