*A SUA CAMARA*[2]
No ar calado e bom da camara fechada,
Como um ninho d'amor, casto e silencioso,
Um grande cravo branco ergue o caule cheiroso,
N'uma jarra de jaspe, antiga e cinzelada.
Voam aromas bons no ar tranquillo e molle;
Algumas flores vão morrer nas jarras finas,
--Elle sereno vê, nas rendas das cortinas,
Silencioso morrer na sua gloria o Sol!
Todas morrem ao pé, só elle altivo é bello,
No seu vaso de jaspe, entre as demais existe,
--Como um rei infeliz n'um ultimo castello,
Com seu ar virginal e com seu modo triste!
Cheio de vida ainda, idyllico, ideal,
Talvez lamente o amor, na sua jarra d'agua!
--Mysteriosa flor!--que caprixosa magoa
O virá a pender na haste virginal?!
Talvez lamente o Sol--a luz vermelha viva?
O sol que vae morrer--o bello agonisante!
Talvez que chore a lua--a lua pensativa!
Que lhe venha lavar a alvura soluçante!
Quem foi a branca mão--olympica, divina,
A mão macia, ideal--traidora--que o colheu?
Que o foi roubar á terra, um dia, e que o prendeu
Na fria solidão d'aquella jarra fina?
E foi roubar ao amor, aos cantos, ás folhagens,
Á bondade da luz--ás noutes meigas bellas,
Exilado do sol, e orphão das paisagens,
O cravo virginal--viuvo das estrellas?!
Mysteriosa flor! a sua extranha magoa
A ninguem o dirá seu calix pensativo,
E a morrer--morrerá, calado, firme, altivo,
E nobre como um rei, na sua jarra d'agua!
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Lá fora morre o sol, como um desgosto humano,
Voam aromas bons no ar quente e calado;
Vae-se esvaindo a luz, e triste, e socegado,
Vê-se um jasmin morrer em cima d'um piano.
Nas paredes estão, nas preciosas telas,
Pintados menestreis, pastoras e guitarras,
Debruçam-se os jasmins nas grades das janellas,
E os lyrios, como uns _ais_, morrem nas finas jarras.
Tudo agonisa ao pé, n'aquella solidão!...
--Solidão de mulher distincta e perfumada!
Cuja pelle é talvez mais fina que a pomada,
E as farinhas d'Italia e as sedas do Industão!...
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Tudo agonisa ao pé,--só elle altivo e bello,
No seu vaso de jaspe entre as demais existe,
Como um rei infeliz n'um ultimo castello,
Com um ar virginal e com um modo triste!
E no entanto talvez a mystica amorosa,
--A _noiva_ a dona d'elle, occulta uma outra magua
No morto coração, mais morto que uma rosa,
E do que elle amanhã na sua jarra d'agua!