Sutura

No silêncio escuro da noite
Ilumina-me esta breve consciência:
Os outros desistiram de mim,
Eu há muito desisti dos outros!
A solidão em que agora me percebo
É o reflexo do cego isolamento
Que sempre procurei dos outros...
Misantropo, eis o que me tornei!

Sinto pena de mim próprio e do meu,
Pelos outros outrora profetizado,
Futuro dourado e caminho alado,
Que é agora ingratamente desperdiçado,
Comprometido por um rasgo de alma
Que me fez ver a crueza nua da vida:
Do tudo que há, só o Nada existe!
O resto não passa dum efémero triste...

Sem suplicar a ninguém, principiamos,
Não é preciso tardar muito, findamos.
O entretanto é um existir sem nexo
Sem razão real de ser. E o amor?
Talvez possa ser a suma resposta:
Eu cá isso não sei, nem nunca soube...
E é isto o que mais medo me dá, e dói,
Temer nunca o viver para o vir a saber...

Os outros rodeiam-me mas eu sinto-me só
Eis a velha história já carregada de pó,
Que, tantas vezes e por tantos repetida,
Perdeu já o sentido, de estar tão remexida.
Mas no entanto eu ainda a experimento
Tão real, amarga e simples quanto ela é.
É a pura verdade isto que aqui vos digo
Tanta gente à minha volta e eu só com meu umbigo.

Orgulhoso de carência e carente de orgulho
Fiquei sempre quedinho, nunca ousei fazer barulho.
Juntei-me, ingrato, comigo só à esquina
A tocar a concertina, a dançar um solidó.
Cuidei que no meu isolamento de quase tudo
Juntaria as forças para bradar um grito mudo.
Recusei as companhias com medo de não sei quê
Tornei-me neste anacoreta que aqui assim se vê.

Ah, que ando agora perdido, vagueando sem rumo.
Alinhar minha vida? Nem com fio de prumo!
Procuro, incessante, por um remendo,
Por uma linha que me cosa a alma.
Não sei quantos pontos irei levar,
Apenas sei que o golpe foi profundo,
Muito fundo, grande o suficiente
Para me conseguir fazer odiar o mundo.

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