A Tempestade

Two Steps From Hell - Nero

Obra literária seguida de cinco passagens.

 

NOITE

 

...e o som que se estala no canto

de um cômodo úmido isolado

metáfora da morte de rosas

na vasta imensidão da noite.

E sobre o branco da imensa lua

prosta-se o poeta apaixonado;

Tão descabida é a sua dor

que tentas ainda que inutilmente

externá-la com rabiscos em papéis amassados.

Sutilmente solta um suspiro como se o coração acabasse de murchar...

E o som... Ah o som! Este que estendeu-se na escuridão, calou-se.

Estava de luto pelo coração que agora jaz,

 dançando com as pétalas que saem pela janela

 e abraçam os jasmins...

 

NEBLINA

 

E então com o peito morto

ocupada por falsas verdades, meias mentiras

papéis amarelados nevoam suas memórias.

Já com a visão turva

numa curva de qualquer rua

despida, nua está a sua dor.

É tanta que já nem a sente deslizando pelos olhos

umedecendo o semblante.

Sarcasticamente solta um suspiro

como se a razão acabasse de se esvair

Olha em volta

em toda névoa que o cobri

sua razão desatinada

brincando de ciranda de roda.

 

GAROA

 

Desliza sobre a tez a palavra molhada

gélida, a que sai da alma e a que cai do céu.

Mãos atadas como súplica

   para um paraíso distante,

pelos oriçados sobressaem pela pele.

Lábios nervosos sussurram palavras

 

camuflam a prece que a dor resume.

Prece sem resposta vira tormento.

Sobre o estilete de água que cai

o sino da igreja badala uma melodia romântica...

Ironicamente solta o suspiro

como se a fé já não existisse mais.

 

Olhando o sino que badala

                          perfurando o silêncio pela noite casta

                  a água que cai lava a alma e arrasta

para o claustro a fé calada.

 

 

VENTANIA

Bate o vento sobre a pele e esfria a espinha.

Acaricia o vazio da loucura,

esvoaçam as cortinas da sanidade.

O poeta se segura em linhas tortas ainda que seja inútil,

tentando agarrar as utopias que bailam...

No dueto do vento e do trovão,

fragmentos de sonhos se desprendem.

Corpo vazio não possui pensamento.

Aliviadamente solta um suspiro

como se um peso tivesse caído no chão.

Na dança do vento, na balada das folhas

o vento sopra a ferida adentro

varrendo os estilhaços dos sonhos e pensamentos

restos de uma vida de escolhas.

 

TEMPESTADE

 

Relâmpagos claream, rasgam o céu.

Nuvens carregadas, turvas na escuridão.

Noite silenciosa onde a lua já não sorri.

O mar se tornou céu.

os grilos não cantam,

os vaga-lumes não piscam,

as flores não exalam.

Mentem que é som, enganam a visão, entorpecem o olfato.

Sentir já é pecado para um corpo castigado.

Corpo sem alma não tem tato.

Mediocremente o poeta solta um suspiro

como se fosse um ensaio para uma despedida próxima...

Sobre o temporal o fôlego cessa

percebe que a vida não é uma peça

onde se pode fingir a dor...

Quase se esvaindo pega uma caneta

escreve sobre o peito: “Se me encontrastes na sarjeta,

diga a Violeta que morri de amor”.

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