TRES RETRATOS (Num album)

 

      Como as horas passam rapidas
      Nesta doce companhia!
      Brilha impaciente alegria
      Em tudo á roda de mim.
      Nunca fui tão venturoso,
      Nunca a mão da Providencia
      Fez com que eu visse a existencia
      Tão bella e risonha emfim.

      Esta noite, quando a lua
      No horisonte resvalava,
      Inspirado a saudava
      Nas balsas o rouxinol.
      Vem agora a primavera
      Abrindo o virginio manto,
      Cada dia um novo encanto
      Nos traz o romper do sol.

      Como a vida assim é bella,
      Nesta amena convivencia,
      Com tres anjos de innocencia
      De formosura, e de amor!
      Dezaseis annos talvez
      Não tem Julia, bem contados,
      Alta, airosa, olhos rasgados,
      E sorriso encantador.

      O pesinho estreito e breve
      Cinturinha delicada,
      A fronte um pouco inclinada,
      Com seu ar sentimental.
      Na ramagem das pestanas
      Occulta a traidora chamma,
      Que no instante em que se inflamma
      Dardeja um raio mortal.

      Mas que morte tão suave!
      Inda ha pouco, em certa hora,
      Que essa chamma seductora
      O coração me accendeu...
      Se é morte esquecer a terra,
      Naquelle instante morria,
      Por que tudo o que sentia,
      Era a ventura do ceo!

      Vel-a sorrir entre os campos,
      Bella, candida, animada,
      Como as flores que a alvorada
      De sua luz inundou!...
      Vel-a, co'as mãos impacientes,
      Afastar do rosto bello,
      O basto e fino cabello,
      Que a aragem desalinhou!

      Vel-a depois pensativa,
      Quando tibio o sol declina,
      Na corrente cristalina
      Os olhos negros fitar!
      Vagas sombras de tristeza
      Que vem toldar-lhe o semblante,
      São tão bellas nesse instante,
      Dizem tanto sem fallar!

      Laura, Elisa, as outras duas,
      Laura, pallida e morena,
      Baixa um pouco, mão pequena,
      Expressivas as feições;
      Os olhos claros e vivos,
      No seu brilho insinuante,
      Reflectem a cada instante
      Milhares de sensações.

      Eliza, a timida Eliza,
      Que innocente singeleza,
      Que perfume, que belleza
      Naquella face gentil!
      Cabellos loiros cendrados,
      Olhos d'esse azul escuro,
      Que é semelhante ao ceo puro
      De um bello dia de abril!

      As rosas da formosura
      Sempre vivas no semblante,
      O corpo esbelto e ondulante,
      Se é permittida a expressão;
      Uma tal ingenuidade,
      No seu todo se revela,
      Que em se olhando para ella,
      Bate alegre o coração.

      Tirados daguerreotypo
      Não ficavam mais exactos
      De certo estes tres retratos
      Que procurei desenhar;
      Qual porém é mais sympathico,
      Mais perfeito, deve agora
      Dizel-o a amavel senhora
      Do livro onde os vou deixar.

      Eu de certo não me atrevo!
      Nos olhos tem Julia a chamma
      Que nos sentidos derrama
      Torrentes de languidez!
      Laura... Eliza... mil encantos;
      Emfim, não sei qual prefiro,
      Não sei a que mais admiro,
      Sei que adoro a todas tres!

Setembro de 1857.
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