Ultramar
No Ultramar,
o diabo ronda sem parar,
anseia pela juventude que navega
Para ser adulta e talvez ali ficar,
no chão que de vermelho se carrega
Boinas a tiracolo das armas à desfilada
Mães órfãs de frutos ainda verdes saudosos
Como uma Nação pode ser tão ousada
Lutando por nada e por tudo, orgulhosos
Esquecendo que na alma pesada, corre chumbo de dor,
Que os envoltos dos tubos, eram gatilhos frementes
Onde os olhares se afundavam no negro do tambor
Os dedos, aços que carregavam o odio, tementes
De mil e milhares, restam milhares de mil
Magros e esquálidos, cinzentos de inocência
Perdidos nas pedras de um tenebroso fuzil
Do comandante que no azar, era Salazar sem Abril
Estas cartas são beijos não dados
Estes poemas são dores não caladas
Estas linhas são braços agora parados
Por canetas de sangue ali disparadas
Que a escrita faça sempre recordar
O que o tempo pode em si ocultar
Que o Abril nem sempre é popular
Mas tem na sua alma o livre respirar
De tantos e tão ofegantes mancebos
que nunca puderam partilhar seus segredos
Jazem no incerto de uma relva
Queimada pelo abrasador Pais
Onde nem a salvação sobreviveu
Nem a coragem por eles venceu
O meu coração cresce selvagem
Oiço-o uivar, no meu amanhecer
No desespero de saber que a viagem
Pode nem de volta meu corpo trazer
Sei que o diabo ronda sem parar
Com ele ronda também quem protegemos
Quem nos pede para os ajudar
E depois imola a estima que lhe temos
No Ultramar decerto que irei ficar
Mas esta minha mensagem boémia
Em garrafa de desespero, pode a ti chegar
Num beijo meu que sou tua alma gémea
Desculpa não ser o dique que te irá suportar
Mas a juventude também me irá roubar
Oxalá nem chova gritos no meu caminho
Nem que o vento vermelho me manche o olhar
Que a vida seja consorte e fulmine o meu vizinho
Que com a ceifa na mão tenta meu mundo calar
Para ti com amor, de Pai para filho
de quem é, será eternamente teu
E nada… nem o Diabo do Ultramar
Pode fazer morrer o que de nós,
de tão lindo, de mim cresceu
Para meu Pai, para seu Ulltramar acabar.
António J. P. Madeira