*A UMA VOZ CELESTE*
A. C. de Carvalho
Na noute que passou
O Christo no Calvario,
Um rouxinol cantou
Sobre a Cruz, solitario.
Os trigueiros soldados,
E os lyrios de Salem
Perguntavam pasmados
--Que voz canta tão bem?
Como sentindo os males
Das suas proprias penas
Vergavam-se nos calix
Chorando as açucenas.
Choravam os caminhos,
Os dados, os cilicios,
A grinalda d'espinhos,
E a esponja dos supplicios.
Choravam os sem luz,
E os rijos peitos bravos,
--Começavam na cruz
A vacillar os cravos.
Pelo tranquillo espaço
Paravam as estrellas,
E o vagaroso passo
As mudas sentinellas.
E os peitos deshumanos
Resentiam mudanças;
--Deixavam os Romanos
Escorregar as lanças.
E a noute ali ficou...
Assim lembrando o Ceu!
--Quando Jesus morreu,
Do lenho emfim voou.
Ora eu mulher! que creio.
Que a Vida sae das lousas,
Eu que nos astros leio
E adoro a alma das rosas!
Que sei que o que hoje existe
Foi nuvem, flor, cypreste...
E escuto essa voz triste
A tua voz celeste!
Eterno visionario,
E adorador do Sol...
Creio que no Calvario
--Cantaste, rouxinol!