WITTGENSTEIN, Ludwig - Filósofos Modernos e Contemporâneos

WITTGENSTEIN, LUDWIG

1889-1951

Os limites da minha Linguagem significam os limites do mundo.

Notas biográficas

Vienense, filho de uma família rica, WITTGENSTEIN estudou engenharia e depois Filosofia, com BERTRAND RUSSELL, na universidade de Cambridge, Inglaterra.

Lutou na 1ª Guerra e foi feito prisioneiro por um longo tempo, sofrendo toda sorte de agruras que são típicas à situação. Por volta dessa época, começou sua obra mais importante, TRACTATUS LÓGICO-PHILOSOPHICUS, publicado em 1921.

Pouco depois, acreditando que o seu livro resolvia todos os problemas propostos à Filosofia, dedicou-se a uma série de atividades alheias à academia e trabalhou como arquiteto, professor e jardineiro. Porém, em 1929, após fazer uma autocrítica de seu pensamento, reassumiu seu emprego em Cambridge e se tornou professor daquela universidade.

Morreu aos 51 anos deixando uma obra considerada complexa e difícil, mas, também, uma das mais brilhantes.

O ideário sintético

Com a frase “Os limites da minha Linguagem são os limites do Mundo” WITTGENSTEIN sintetizou o seu ideário.

Para ele,

  1. A Linguagem é formada por proposições, ou afirmativas* que são a exteriorização dos nossos pensamentos.
  2. O Mundo é formado por fatos, ou acontecimentos e as “coisas” que geram esses fatos tem o seu próprio modo de ser;
  3. As proposições são “imagens de fatos, assim como os mapas são as imagens do Mundo;
  4. Qualquer proposição que não retrate fatos não pode ser classificada como tal. Tome-se esse exemplo:matar é ruim!”. É uma frase que não indica um fato ocorrido ou que está ocorrendo. Exprime apenas uma opinião sobre uma atitude, sem nexo direto com o momento em que é exarada. Logo, não pode ser considerada uma proposição.
  5. Por isso, pela exigência de só poder retratar fatos “a minha Linguagem é limitada a declarações sobre os acontecimentos do Mundo”. Eu posso dizer várias outras frases, mas essas serão consideradas vazias, ou poderão ser consideradas metafóricas, surreais, opiniões, etc. Contudo, serão sempre sobre um tema que não exige a Reflexão Lógica e Racional por não se situarem necessariamente no campo físico, concreto, material.
  6. Desse modo, invertendo o eixo da questão, tenho que: em verdade, é o Mundo que está limitado pela Linguagem. Afinal, o Mundo só existe até onde eu consigo pensar e externar esse pensamento pela Linguagem. Por isso, o tamanho do Mundo nunca será Absoluto, mas apenas Relativo, porquanto o indivíduo que desfruta de uma mente culta e fértil e de um rico vocabulário terá sempre um “Mundo maior” que aquele que o boçal inculto consegue perceber.

NOTA do AUTORProposições* ou Afirmativas* que podem ser falsas ou verdadeiras; positivas ou negativas, como, por exemplo: isto é! Aquilo não é!

A “complexidade” de WITTGENSTEIN

Como já se disse, WITTGENSTEIN é considerado um Filósofo “difícil de ser compreendido. Sua obra principal, TRACTATUS LÓGICO PHILOSOPHICUS, é um dos textos mais temidos pelos estudiosos de Filosofia, que o consideram um dos mais intrincados do século passado.

Tractatus Lógico Philosophicus. 

O TRACTATUS é uma obra de pequeno tamanho, formada por uma série de notas sucintas, escritas em linguajar de complexa tecnicidade. Para melhor apresentá-la julgamos ser oportuno situá-la no contexto em que foi escrita e considerando o momento difícil que o mundo vivia em função do conflito mundial.

As teses expostas no “TRACTATUS” são baseadas num principio simples: a ideia de que tanto a Linguagem, quanto o Mundo são organizados, ou estruturados, de acordo com um formato válido para ambos. E que essas estruturas podem ser decompostas, mostrando, portanto, as partes que as compõe.

A “escola kantiana”. Estabelecer os limites

Por abordar o tema “limites”, WITTGENSTEIN é remetido à corrente de pensadores do século XVIII que teve inicio com o KANT que em seu livro “Critica da Razão Pura” iniciou a tarefa de investigar qual seria o limite de conhecimento que é possível ao homem. Até onde o Ser humano consegue aprender e reter um saber.

Um dos motivos para KANT entrar nesse terreno foi a sua crença de que vários problemas apresentados à Filosofia existiam apenas porque nós não conseguimos diferenciar entre o que somos capazes de compreender e aquilo que nos é inacessível. Acreditava que se dirigíssemos a nossa atenção às nossas limitações, poderíamos resolver quase todos os “problemas filosóficos” que desde sempre desafiam aos que se debruçam sobre as dimensões mais profundas da vida, do universo e do homem.

WITTGENSTEIN seguiu sua trilha e empreendeu investigação semelhante, porém de modo muito mais radical. Já no inicio de sua obra ele afirma que estava começando a esclarecer o que pode ser “falado significativamente”; ou seja, o que pode ser dito com significado, com importância efetiva. Na sequência, tal como KANT fez com os limites da Razão*, ou da capacidade de racionalizar, ele se propõe a definir quais seriam os “limites da Linguagem” e, consequentemente, quais seriam os “limites do pensamento que pode ser externado”, já que para ele a maioria das discordâncias filosóficas seria oriunda de erros fundamentais na maneira como nós lidamos com o pensamento e com o modo de discutirmos o mundo.

A Linguagem Significativa e a Lógica

Segundo WITTGSTEIN, a Lógica ocupa-se das Proposições, as quais podem ser vistas como Asserções verdadeiras ou falsas, como se mostra no exemplo a seguir: “O elefante está bravo” é uma proposição. Todavia, a palavra “elefante” não é, já que ela nada propõe ou afirma. É apenas um rótulo, um nome dado a uma criatura. Assim, a “Linguagem Significativa” que espelha um fato (no caso, o elefante estar bravo) deve ser formada apenas por Proposições, cuja soma é a própria linguagem. A partir daí, ele buscou demonstrar como as estruturas do mundo e as dessa linguagem relacionam-se entre si.

A ideia de que a “Linguagem Significativa” “retrata” o Mundo foi elaborada durante a 1ª Guerra, em certo dia que WITTGENSTEIN leu num jornal a matéria sobre um acidente de carro e que os fatos relativos foram encenados no julgamento usando-se miniaturas de carros, ruas e pessoas, com o intuito de representar o que houve na realidade. Criou-se, pois, uma imagem verossímil do ocorrido e o que uma imagem compartilha com aquilo que representa, é uma Forma Lógica (ou um formato que obedece a racionalidade)”, segundo WITTGENSTEIN.

NOTA do AUTOR – é importante salientar que aqui estamos falando sobre “imagens lógicas” e não sobre “imagens visuais”. “Imagens lógicas” são aquelas que decorrem de um “pensamento lógico e racional”, em que a sequência de fatos, imagens etc. obedece a algum tipo de encadeamento, como o cronológico, por exemplo. O contrário ocorre com as “imagens visuais”, pois nem tudo que vejo está relacionado com algum método. Posso ver ao mesmo tempo uma bola e um passarinho que, claro, não estão relacionados entre si, tampouco com algum sistema lógico.

A Lógica é uma imagem-espelho do mundo.

Para WITTGENSTEIN a Lógica não é um conjunto de Doutrinas, mas uma imagem-espelho do Mundo”.

Porém, essa imagem-espelho pode não coincidir com a realidade física, concreta e nesses casos se tem uma imagem-falsa que deve ser descartada, pois como a linguagem e o mundo tem um mesmo formato lógico, apenas se pode falar e retratar o mesmo de um modo que concorde com a realidade concreta que for captada pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato).

A partir dessa sua conclusão, pode-se observar o motivo de WITTGENSTEIN ter tamanho interesse em descobrir os “limites da linguagem”, pois, para ele, tais limites também são os “limites do mundo”.

Religião e valores éticos

Outra parte importante dentro do sistema de pensamentos de WITTGSTEIN refere-se a suas concepções acerca da religião e dos valores éticos.

Para WITTGENSTEIN é totalmente sem propósito tentar analisar esses elementos, pois são coisas que estão “além do limite da linguagem” e, portanto, “além do limite do mundo”.

Sobre isso, aliás, WITTGENSTEIN disse: está claro que a Ética não pode ser colocada na Linguagem.

Alguns leitores de WITTGENSTEIN afirmam que o seu pensamento sobre essas questões tende mais para as Ciências, posto ele rejeitar os conceitos abstratos que são pertinentes aos debates sobre ética, religião e afins. Todavia, deve-se registrar que ele não considerava que os “Problemas da vida”, ou os “Problemas Existenciais*” fossem absurdos ou inexistentes. Pelo contrário, já que ele acreditava que os mesmos são os mais importantes dentre todos. Porém, dizia, que é preciso admitir a impossibilidade de colocar tais problemas em formato de Proposições* e que por isso não devem se tornar parte do estudo de Filosofia. São “coisas” que só passam a existir ao se tornarem manifestas (aparentes, captáveis) e desse modo só devem ser tratadas pelos estudos que lhes sejam pertinentes, como o misticismo, a moral e a religião.

Problemas existenciais* – são aqueles que se debruçam sobre o lado mais profundo da vida, tais como “quem sou”, “de onde vim”, “para onde irei” etc.

Proposições* - segundo WITTGSTEIN a Filosofia, para conseguir elucidar todos os “problemas filosóficos” exige uma Linguagem lógica, racional, sem ambiguidades. Portanto, ela só pode ser composta por Proposições, ou declarações sobre fatos. Veja-se o exemplo: “o gato sentou no tapete” é uma Proposição que relata um fato, um acontecimento. Proposição que pode ser dividida em suas partes componentes (gato + tapete = gato sentado), cujo estudo individual de cada uma dessas partes permitirá a compreensão do Todo.

As críticas recebidas e a autocrítica

A admissão de WITTGENSTEIN sobre a limitação existente na capacidade de se conhecer os valores abstratos afetou o seu o sistema de pensamento, inclusive o TRACTATUS, já que é possível questionar se as Proposições nele contidas retratam efetivamente o mundo, pois a Lógica, a sua ferramenta principal, nada fala sobre este tema. A partir daí, os seus críticos passaram a questionar se também o TRACTATUS não seria carente de sentido e de racionalidade?

Dando provas de uma grandeza rara no meio filosófico, WITTGENSTEIN não se apegou à sua ideia e nem insistiu sobre um eventual acerto de seu ideário apenas por uma questão de orgulho mesquinho. Ao contrário, ante a dúvida colocada, ele admitiu que o TRACTATUS talvez carecesse mesmo de Sentido, pois, segundo disse, qualquer um que o compreenda adequadamente verá, ao cabo, que as Proposições que nele utilizei também não têm nexo Lógico. Elas estão ali como simples degraus que nos ajudam a subir e alcançar um patamar situado para além dos “problemas menores” que são estudados pela Filosofia. São degraus que uma vez utilizados, podem ser descartados sem qualquer prejuízo.

Coerente com sua grandeza de espírito e honestidade intelectual, nas décadas de 1920 e 1930 WITTGENSTEIN começou a duvidar de seu próprio Sistema tornando-se um dos mais severos críticos ao esquema que propusera. Questionou, principalmente, sua antiga crença de que a Linguagem consiste apenas de Proposições, pois ao se ater a esse dogma, ignorou, erroneamente, as muitas outras nuances do que fazemos com a Linguagem em nosso cotidiano.

Epílogo

Dúvidas e polêmicas a parte, deve-se ressaltar a singularidade do sistema de WITTGENSTEIN, que ainda hoje permanece como uma das obras mais desafiadoras da Filosofia Ocidental e, também, como uma das mais profundas e misteriosas. Afinal, como classificar um esquema de pensamentos que embora tenha sido rejeitado pelo próprio criador, ainda continua sendo estudado com muita reverência e apreço? As respostas talvez sejam variadas, mas certamente o fascínio exercido pelo mesmo está diretamente vinculado à grandeza intelectual e ética de WITTGSTEIN, qualidades que o fazem tão respeitado hodiernamente quanto foi em sua época.

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