ZANZA & BELERO
Autor: DAN GUSTAVO on Saturday, 31 May 2025

Lá no sub-bairro entre viela e varal,
onde o céu tem mais fio que firmamento,
há uma moça que sobe num vendaval
todo fim de tarde, sem um lamento —
Zanza, a dona de casa que voa no tempo.
Belero a espera no terraço, rilhando
o casco alado no azulejo gasto.
É branco, reluzente, de prumo brando —
pégaso vindo, talvez, de algum pasto
entre Helicon e os quintais do Encantado.
As comadres param o mexido na panela:
— Vixi, lá vai ela de novo na asa!
— Não é aquela a mulher do Protético, a bela?
— Ele deixa, mas disse: “Não passa de casa…”
Só que Zanza some no céu feito brasa.
Prometeu voar só até a padaria,
mas deu voltas ao mundo num trote leve:
salta arco-íris, faz curva em nuvem fria,
grita “Arroboboi!” pra Oxumarê, tão breve,
e volta só depois que o sol já se atreve.
Apolo, dizem, mandou-lhe bilhetinho —
Hélio piscou da carruagem flamejante.
Ela voa entre astros com jeitinho
de quem pendura roupa e, num instante,
vira dríade em amoreira ofegante.
Talhada a malhação, como Salmacis formosa,
de Vênus de Milo ela herdou o mistério.
Tem Adônis no sangue, aura poderosa,
e assina “Moreira Moreira” no império
das contas de luz, do beiral, do critério.
Zanza bebeu da fonte de Pirene,
voltou com cheiro de flor e orvalho grego.
Deixou um beijo na crina de um duende
e fez da auréola de anjo um doce apego,
que pendurou na parede ao lado do espelho.
Ela já foi constelação de seu signo,
atravessou a de Unicórnio sem vacilo.
Cada faísca do casco de Belero é destino
de estrela nova que brilha de estilo
em céu suburbano — verso, brilho e sigilo.
Enquanto isso, no portão:
— Oxe… já voltou a Zanza do passeio?
— Ih, menina… ela é que voltou não.
Foi só a sombra dela passando no meio —
um clarão de auréola, um rastro alheio…
No quintal, só restam sabugos de sonho
e o cheiro de jasmim que paira no fogão.
Belero relincha, o sol boceja tristonho —
porque o subúrbio, desde então,
tem hora marcada com a imaginação.
*Com 'Bardus Gepetus'!
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