ZIZÉK, Slavoj - Filósofos Modernos e Contemporâneos
ZIZÈK, SLAVOJ
1949
As melhores análises Marxistas são sempre analises de um fracasso.
Prefácio
Quando ZIZÈK disse a frase em epígrafe referia-se à célebre “*Primavera de Praga” argumentando que a partir da derrota, os Socialistas passaram a pregar que se as reformas pretendidas tivessem sido implantadas o resultado teria sido a concretização do “Paraíso Utópico” que sempre é pregado pela Esquerda Política (sic). Segundo ele, é praxe que os Esquerdistas criem em cima de seus fracassos os mitos que lhes permitem manter certa aura de “correção moral”, haja vista que os impedimentos que lhes impedem o acesso ao Poder, deixam-nos na confortável situação de críticos apenas.
Marxista dedicado, mas tão independente que não se importa com as críticas, ZIZÈK incomoda não só Burguesia de Direita, mas também a ortodoxia da Esquerda. Importa-lhe apenas prosseguir em sua laboriosa investigação sobre a natureza e as características do Poder Político, as quais são obscurecidas pela eterna tentativa de se justificar a “Utopia Socialista”. E é justamente contra essa tergiversação que ZIZÈK ergue a sua voz, insistindo na necessidade de se resgatar a real essência do Marxismo para com isso implantar e consolidar um Sistema Político que acabe com a exploração do “homem pelo homem” e promova, tanto quanto possível, a igualdade de oportunidades para todos.
*Primavera de Praga – o conjunto de ações desencadeadas na ex Tchecoslováquia, em 1968, que visava o fim da dominação soviética e a implantação de uma Democracia plena.
Notas biográficas
ZIZÈK nasceu em uma família de classe média, ateia e razoavelmente culta. Seu pai trabalhava com Economia, sua mãe com Contabilidade e foi o trabalho de ambos que lhe deu a oportunidade de se dedicar inteiramente aos estudos. Na adolescência sonhou ser cineasta, mas desistiu por não se achar capaz de ombrear com os grandes Diretores europeus.
Assim, aos 17 anos de idade decidiu mudar seu rumo e abraçou a Filosofia em definitivo. Em 1967 foi para a universidade de Liubliana (anteriormente situada na Iugoslávia e atualmente a Capital da Eslováquia), onde se Doutorou em Filosofia e em Sociologia. Posteriormente, estudou Psicanálise na universidade de Paris, França, e ali conviveu com vários eruditos importantes, dentre os quais FRANÇOIS REGNAULT e ALAIN MILLER, que era genro do notável JACQUES LACAN que foi a grande influência em seu ideário.
Atualmente é professor da European Graduate School e pesquisador sênior no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana. Também é um “Critico Cultural” de enorme prestigio e “Professor Visitante” em várias universidades estadunidenses, entre as quais as universidades de Colúmbia, Princeton, a New Scholl for Social Research de New York e Michigan.
Os vários ideários
Embora as atenções de ZIZÉK privilegiem a Filosofia Política e Social, ele também é renomado pela abordagem de temas inusuais na filosofia ortodoxa, como, por exemplo, o Cinema de HITCHCOCK e de DAVI LYNCH, ou o Fundamentalismo e a (in) Tolerância, a Correção Política e a Individualidade nos tempos atuais, além de mais alguns outros assuntos infrequentes.
Jocosamente, aliás, ele é chamado de “Elvis Presley da Filosofia”, em virtude de sua irreverência ao tratar de assuntos que normalmente são discutidos com sisudez e solenidade e de imprimir em seu trabalho um bom humor e uma vibração quase juvenis, deixando-o livre da pernóstica diferenciação entre as chamadas “Alta e Baixa Cultura”.
Contudo, a sua falta de cerimônia não diminui a seriedade de seu raciocínio como veremos adiante, ao detalharmos seus posicionamentos ante as questões filosóficas de se ocupa.
As influências recebidas
Uma das primeiras influências que ZIZÈK recebeu foi a do Filósofo Marxista esloveno BOZIDAR DEBENJAK que o iniciou no “Idealismo Alemão”; caminho que ele trilhou com mais profundidade através da chamada “Escola de Frankfurt”.
Idealismo – Corrente Filosófica que prega a tese de que tudo está contido nas Ideias, no Pensamento. Aos interessados, recomendamos a obra de nossa autoria: Filosofia sem Mistérios - Dicionário Sintético – Ed. Seven System, Biblioteca 24x7.
E foi como aluno em um dos cursos de DEBENJAK que ele iniciou seus estudos sobre “O Capital” de KARL MARX e sobre a “Fenomenologia do Espírito”, de HEGEL. Esses estudos influenciaram decisivamente o seu pensamento, o qual começou a se tornar público em 1979 através dos livros que ele passou a publicar.
Neles e noutros textos, ZIZÈK examina as teorias hegelianas e marxistas a partir de um ponto de vista fundamentado nas concepções psicanalíticas de JACQUES LACAN, cujas teses são utilizadas com frequência como instrumento para uma nova leitura sobre a “Cultura Popular” e como suporte para outras análises filosóficas. Aliás, essas mesmas “teses lacanianas” também lhe serviram como base para as interpretações que fez das teorias de LOUIS ALTHUSSER e SIGMUND FREUD.
E essa nova visão sobre as obras de MARX e de HEGEL, dentre outros, incrementou as investigações sobre o pensamento de ambos, pois, pela primeira vez, foram investigadas as motivações psíquicas que contribuíram e/ou determinaram a formação de seus sistemas filosóficos.
O Sublime Objeto da Ideologia
Após o lançamento de “O Sublime Objeto da Ideologia”, seu primeiro livro escrito em inglês, lançado em 1989, ZIZÉK passou a somar ao prestigio que já gozava junto à intelectualidade a notoriedade pública, passando a ser considerado um dos mais influentes “teóricos contemporâneos”.
Na obra, bem como no restante de seu ideário, seu trabalho transita entre “O Sujeito” de DESCARTES e o já citado “Idealismo Alemão”, particularmente com as Ideias de HEGEL, KANT e SCHELLING.
Permeando essa diversidade, ele reafirma o seu Ateísmo enquanto tece teorias que contrariam as análises filosóficas tradicionais. Aliás, por sua aversão às mesmas e à mediocridade do chamado “Politicamente Correto”, ele não perde oportunidade para expor seus argumentos que geralmente causam várias polêmicas entre a Intelectualidade e, principalmente, entre os “pseudos intelectuais” de pífia cultura.
Para ele, precisamos de uma nova e diferente Ideologia (enquanto Sistema de Pensamentos organizados e interligados) para entendermos e corrigirmos a Política atual. Urge abandonarmos a hipocrisia e nos dedicarmos ao estudo profundo e sério das questões que envolvem o homem, não apenas no aspecto filosófico, mas também no aspecto prático.
O Real
Para ZIZÈK, o conceito “O Real” é bastante enigmático e não deve ser equiparado ao conceito relativo à realidade física já que esta é construída simbólicamente; ou seja, o que nós captamos através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e pensamos ser “Realidade” não passa de um conjunto de símbolos (palavras, sinais etc.) criados arbitrariamente pelo homem.
O “Real”, segundo ele, pode ser pensado como um “núcleo” impossível de ser simbolizado, já que não se consegue expressá-lo por palavras, ou outros símbolos, ou sinais. O “Real” não tem existência positiva, ou concreta, porque não se pode captá-lo empiricamente* e, portanto, só existe como “Abstração”, como uma imagem em nossa mente.
NOTA do AUTOR – empiricamente* – o conhecimento que se adquire através das sensações captadas pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato).
Contudo, o fato de só existir como “Abstração” não significa que seja externo ou alheio à realidade humana. Ao contrário, ele é o núcleo, a essência, a alma da mesma. E mesmo sendo inalcançável racionalmente, dele sabemos por irromper entre os furos da “malha simbólica” quando se mostra nas ocasiões que nos parecem fictícias, como nos sonhos e na realidade virtual. Nessas situações, permite-nos saber de sua existência e da “outra dimensão de cada coisa”.
Durante os sonhos é quando mais próximos chegamos do verdadeiro “Real”, haja vista que então o que predomina é o inconsciente livre das censuras da Razão. Já no caso da “Realidade Virtual” acontece a oportunidade de nos manifestarmos sem a pressão das regras simbólicas e sociais, permitindo, por exemplo, que um indivíduo comum e tímido possa “ser” uma mulher sensual, em um “game” qualquer.
O Simbólico
Para ZIZÈK, o “Simbólico” é fruto direto da Linguagem. A partir do momento em que o indivíduo se apossa das primeiras palavras, o mundo passa a lhe chegar por intermédio dos Símbolos ele capta através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato). E é através desses Símbolos, principalmente as palavras, que ele constrói a sua realidade. Isso resulta em situações como a do exemplo que segue:
Um homem só é Rei, porque outros homens dizem que sim. Porque se comportam como seus súditos.
Nada que seja natural o levaria a esse cargo. Mesmo que usurpasse o Poder pela força ou por artimanha inidônea ele não seria um “Rei”, tornando-se, quando muito, um Tirano bem sucedido.
Vê-se, portanto, que todo o arcabouço Social, Político, Afetivo etc. que compõe, ou formam, a “realidade humana” é uma mera construção dos homens. Por isso, pode-se dizer que a Realidade é Simbólica.
Imaginário.
Para ZIZÈK, o “Imaginário” é muito semelhante ao “Simbólico”, mas dele difere porque aquele se relaciona com as leis, as regras e com os comportamentos sociais que formatam a realidade, enquanto ele se liga à questão da imagem visual, sonora ou olfativa que o homem consegue formar no intimo de sua mente, conforme o exemplo a seguir: ao ouvir, ou ler a palavra “Gerânio” eu posso “sentir” o seu perfume e “tocar” as suas pétalas.
Alguns outros Conceitos segundo ZIZÈK
Significante Vazio – aqui, ZIZÈK alude aos Signos, ou Símbolos cujo Significado deixa de ter a importância original graças às repetições banalizantes e inadequadas que são feitas do Significante. Veja-se o seguinte exemplo: Os acordes de 9ª Sinfonia de BEETHOVEN são executados em qualquer cerimônia sem importância apenas para torná-la “maior”, mas o Significado inteiro da Obra não se adéqua a tal uso, a A tal Significante.
Auseinandersetzung – termo que remonta a HEIDEGGER e que ZIZÈK utiliza para exprimir a necessidade de a Europa repensar a si mesma. Tanto em relação ao Passado, quanto em relação ao Presente. E, ainda, em relação ao avanço da China e da Globalização liderada pelos EUA. Essa conjuntura, a seu ver, impõe a adoção de novas posturas quanto aos aspectos que nortearam a sociedade europeia nos últimos séculos, dentro os quais a questão do “Estado de Bem Estar Social”. Para ele, a pior opção seria tentar criar uma “síntese entre essas duas forças (China e Globalização)” e com isso supor que se estaria criando um “um rosto europeu”, pois disso só resultaria uma nova maneira de se isolar do Mundo.
Censura Liberal – para o Filósofo, só dizemos que “somos livres” porque não temos em nosso vocabulário palavras que sejam capazes de expressar a nossa efetiva “falta de Liberdade”. Dizemos-nos livres apenas por uma deficiência de Linguagem. Ele alega que vocábulos, nomes, ou conceitos, como “guerra ao terrorismo”, “liberdade e democracia”, “direitos humanos” etc. são falaciosos e só mistificam o que pensamos da situação, enquanto nos impedem de fazer uma reflexão profunda e honesta sobre a Liberdade, propriamente dita. Para ele, “somos livres para escolher... (mas) desde que façamos a escolha que agrade às convenções e às regras da sociedade”.
As escolhas - a poucos Homens sobrevém a dúvida: “o que é a escolha certa?”. E isto acontece porque a maioria vive apenas as circunstâncias de seu cotidiano e, também, porque ninguém tem uma resposta conclusiva, absoluta. Dessa forma, o homem resigna-se a seguir a opinião dos demais, contentando-se em supor que a “opção correta” é aquela que “dizem ser”. Aquela, que se torna a opção da maioria. Age, portanto, apenas por indução, já que a sua ignorância ou o seu comodismo/covardia não lhe permite alternativas.
A escolha entre Democracia ou Tirania – dentro do contexto citado na nota anterior, é comum que nos peçam para escolher entre “Democracia, ou Tirania” esperando que a previsível opção pela primeira se confirme, já que a segunda é execrada pela “elite intelectual possível”, que a transmite ao populacho, o qual, aliás, padece em ambas, sendo-lhe, portanto, indiferente o Regime que o governa. Porém, ainda que se considere que a Tirania seja nociva de fato resta outro problema, pois não é difícil ver que nos acomodamos a um modelo de Democracia, sem que exista qualquer esforço sério para aprimorá-la, evitando que se torne tão malévola quanto a Ditadura. Dessa sorte, cabe novamente a indagação: somos livres realmente?
A Paixão pelo Real – Como afirmou JACQUES LACAN, essa “paixão” é a ânsia subconsciente de chegarmos à “Essência das coisas”, “à Essência da vida”. É a vontade imperativa de despojar a realidade física de suas camadas ilusórias. É a busca pela autenticidade que apenas no “Real” pode existir. No Ocidente, o frenesi do cotidiano não dissimula totalmente a monotonia do “Capitalismo Global” e passamos a sentir a necessidade de haver um “evento” que sacuda a nossa rotina, a nossa inércia e nos aproxime de “alguma essência”, de “algo real”. Segundo ZIZÈK, talvez, o “terror fundamentalista” acabe sendo esse “algo real”, não obstante seu aspecto negativo. Talvez ele tenha a desejada serventia de nos acordar do topor que o condicionamento ideológico nos causou. Por isso, aliás, é que eventos macabros acabam sendo “desejados” como se fossem instrumentos capazes de romper as ilusões que nos impedem de chegar “à essência das coisas e da vida”. Nesse contexto, a derrubada do WTC* pode ser vista como a apoteose dessa querência por um “acontecimento” que abale as estruturas e nos permite chegar “a alma das coisas”.
*WTC – World Trade Center, derrubado em 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, por aviões comerciais pilotados por terroristas muçulmanos.
Cutters – são os indivíduos que se automutilam com o objetivo de “viverem seu ego profundamente” e combaterem a angústia de se imaginarem “não existentes”. Ao ferirem o corpo querem “comprovar” a própria existência efetiva, bem como a da “alma ou essência” que os animam. Diferem daqueles que se tatuam, porque a sua motivação é mais profunda e intima. Geralmente o motivo dos “tatuados” se situa mais em certo modismo passageiro, ou na tentativa de agradar determinado grupo social.
Multiculturalismo Liberal e Tolerante – segundo ZIZÈK é o Sistema Político que pretende tornar-se hegemônico e cuja característica principal é a busca por uma “Política sem Política”; ou seja, propõe que o governo da sociedade seja entregue para Tecnocratas especializados em Administração, sem haver a menor participação política do povo. Alguns estudiosos traçam uma analogia dessa proposta com aquilo que já se observa em algumas outras áreas e que consiste em oferecer um produto, ou um serviço, despido de sua Essência, ou, no mínimo, de algumas de suas características que supostamente seriam nocivas, tais como, “café sem cafeína”, “cerveja sem álcool”, “gorduras sem colesterol” etc. É a chamada “dessubstancialização”. Para alguns, o maior defeito de tal sistemática está na sua apologia a uma condescendência exagerada ao Outro, o que, ao cabo, poderia causar o fim de toda regra e de todo parâmetro e de toda referência a serem seguidos.
Desrealização – é a tentativa de subtrair da Realidade a sua Substância, ou Essência. Conforme ZIZÉK, a quase ausência de imagens das vitimas no WTC e as muitas cenas que mostram as vitimas mutiladas, degoladas, decapitadas nas chacinas ocorridas no 3º Mundo tem a intenção de “desrealizar” a realidade; isto é, alterar a essência do fato real, concreto, para incutir no espectador a ideia de que a crueldade, a selvageria, o terrorismo “estão além de nossa casa”. Ao procederem dessa forma, as “Potências Capitalistas e Consumistas” pretendem dessensibilizar quem assiste a tais imagens bizarras e reforçar-lhe a convicção de que aquilo está muito longe de seu mundo. Transformam a crua e dura rotina em espetáculo e com essa “distração” evitam que o indivíduo tenha contato com a essência da vida real, preservando-o como um simples títere das Elites.
A Travessia do Fantasma – geralmente se acredita que a função da Psicanálise é libertar-nos de nossos “fantasmas”, permitindo que convivamos com a realidade o mais harmoniosamente possível. Porém, ZIZÈK evoca JACQUES LACAN e afirma que essa é uma suposição equivocada. Para o Psicanalista LACAN, em nosso cotidiano encontramo-nos imersos em uma realidade que é formada justamente pelo “fantasma” que nos domina. Afinal, os nossos traumas originam-se de fatos concretos como o trauma de quem foi assaltado, por exemplo. Assim sendo, tudo que fazemos segue as imposições desses “fantasmas”. Se, por exemplo, o “meu fantasma” leva-me a ser excessivamente tímido, o meu cotidiano obedece a essa imposição, por mais que este excesso atrapalhe o meu trabalho, as minhas relações sociais etc. Porém, essa imersão não é total, pois uma parte da nossa Psique resiste e, segundo LACAN, este é o problema. Por isso é que se deve anular essa parte resistente por mais estranho e paradoxal que isso possa parecer. Para ele, a expressão “atravessar o fantasma” significa que ao invés de negá-lo, devemos nos identificar com o mesmo e abdicarmos daquela resistência que nos impedia o mergulho total. A partir daí, passaremos a distinguir claramente a realidade e a ficção que envolve o nosso “trauma, ou fantasma” e, num segundo momento, passaremos a distinguir naquilo que aprendemos ser a ficção, o “núcleo da Realidade Ficcional”. Compreendido esse “núcleo” automaticamente o tornamos absolutamente fictício e, portanto, inofensivo. Na sequência será necessário que compreendamos que uma parte da realidade tem a sua função alterada pelo “fantasma”, mas que essa parte não passa de uma tola fantasia e que por isso é passível de ser combatida e exterminada. Todavia, ZIZÈK alerta que todo esse processo é particularmente difícil, pois a própria exposição do fantasma, que pode acontecer através do simples ato de se falar do mesmo com o terapeuta, pode ser tão traumática que não é raro que o assunto seja evitado impedindo que a cura aconteça. Nesses casos, observa-se que o problema é exposto de outras formas, como se pode assistir, por exemplo, no filme “A Professora de Piano*”, onde a protagonista não consegue verbalizar o que ela classifica de “suas perversões sexuais” e as escreve para que um de seus alunos as realize. Apenas pela escrita, que lhe parece ser uma forma indireta, ela consegue expor o “fantasma”, que ocupa o núcleo do seu Ser.
NOTA do AUTOR - *A Professora de Piano (La Pianiste) – filme de 2.000, Franco-austríaco. Direção de Michael Haneke, com Isabelle Hupert, como protagonista.
Fetichismo – o Filósofo Político KARL MARX afirmou que o prazer do Fetichismo estava na posse física do objeto, bem como na materialidade do mesmo. Mas, segundo ZIZÈK, na atualidade o Fetichismo atinge seu auge na imaterial “Realidade Virtual”. Objetos do desejo como, por exemplo, “milhões Euros”, estão mais nessa “imaginária realidade virtual” que no cotidiano físico, concreto. O Fetichismo da “posse material” cedeu seu lugar ao da “posse virtual” e é por isso que softwares como o “Second Life”, que permitem ao indivíduo viver segundo seus desejos, se tornaram o local em que o “prazer de possuir” acontece. Há quem se gabe, por exemplo, de ter “amantes virtuais belíssimas (os)” e/ou “milhões de amigos” nas Redes Sociais e noutras fantasias. Tentam compensar suas carências reais, concretas, físicas vivendo nesse mundo imaginário. O Fetichismo conseguiu se adaptar aos novos tempos e até crescer, haja vista que já não existem mais as barreiras físicas que antes o inibiam. Porém, é de se perguntar se esta ilusão, com o correr do tempo, não poderá ocasionar um processo irreversível de alienação no indivíduo, com consequências que ainda não se sabe mensurar?
Choque de Civilizações – segundo ZIZÈK, tal confronto inexiste. O que acontece realmente é que as guerras são motivadas exclusivamente pelo “Capitalismo Global”. Para ele, é pura tolice acreditar na falaciosa “ameaça do Fundamentalismo Islâmico” às “Sociedades Liberais Ocidentais (sic)”, pois os reais motivos dos conflitos são os interesses geopolíticos, comerciais e financeiros dos EUA e da Europa (essa, em menor escala). Os choques que se alastram por todas as regiões atestam que os países priorizam a Economia em detrimento da Democracia e que as outras supostas motivações não passam de espúrias manipulações do sentimento patriótico do povo, que, ao cabo, suportam os custos de cada conflito.
Não quero saber – porque “saber” traz responsabilidades e, por consequência, infelicidade. Apoiando-se na tese de LACAN, ZIZÉK ecoa a sua afirmativa de que esta é atitude comum do homem ante o “Conhecimento”. É como se houvesse uma resistência natural à ideia de se ter mais sabedoria sobre algum fato especifico, ou sobre o geral. Consequentemente qualquer progresso só é obtido após um penoso combate contra essa propensão que domina o homem comum, pois é obvio que tal característica não se aplica aos indivíduos que se destacam da maioria.
Crentes pós Modernos – para o homem sempre foi difícil aceitar que a sua vida não esteja vinculada a uma “Dimensão Superior”, que ele não tenha uma “Missão Nobre e Elevada” e que a sua existência seja apenas um mero processo mecânico de reprodução, deflagrado pela busca do prazer físico, efêmero e mundano. Contudo, nos dias atuais, afirmações desse quilate são vistas com mais simpatia, haja vista a predominância do Materialismo e do Hedonismo nos corações e mentes. Ademais, o “Politicamente Correto” impõe a seus adeptos e/ou admiradores a exigência de exercitarem a hipocrisia de dizerem que aceitam sem qualquer dificuldade o fato de serem apenas “máquinas físicas”. Afinal, o atual sonho dominante da humanidade é levar uma vida prazerosa e não uma vida ascética, penosa, laboriosa e voltada a um “Bem Maior”. Todavia, para além dos modismos, sabe-se que a verdade é bem diferente, por trás das máscaras que a sociedade impõe ao populacho, via publicidade e lavagens cerebrais televisivas. Também por sua natureza, o homem aspira ser algo que esteja além de uma simples combinação química. Anseia ter um papel que o diferencie das outras criaturas com quem divide o Planeta e é justamente por isso que ainda triunfa sobre a hipocrisia e exerce alguns papeis simbólicos voltados para os “Grandes Objetivos”, mesmo desconfiando da validade desses papeis. O papel de “Pai”, por exemplo, ainda é representado com alguma cerimônia, mas também com certa irreverência e com questionamentos constantes. Assume-se o “Papel de Pai”, mas só se desempenha essa representação simbólica com inúmeras autocríticas e comentários negativos acerca da estupidez dessa convenção. Autocríticas e comentários, diga-se, que não se sabe se são genuínos ou se servem apenas para o indivíduo compor a sua imagem de “homem atual”. Noutros campos não são raras as anedotas e o hábito de se caçoar das antigas crenças, tanto as religiosas, quanto as sociais e são esses trocistas que ZIZÉK chama de os “novos crentes”. Continuam a praticar as antigas tradições (provavelmente por incapacidade de criarem as novas, ou por simples comodismo), mas sem lhes dar o devido crédito e a devida reverência.
Felicidade – definir a “Felicidade” é uma questão de que se ocupa a Filosofia desde os seus primórdios. E se pode afirmar que graças à relatividade de tudo, a natureza da mesma, provavelmente, nunca será definitivamente compreendida. Para ZIZÈK é necessário que três condições fundamentais sejam reunidas para que a Felicidade, ou a sua maior aproximação, aconteça. São elas:
1. Haver bens materiais apenas em quantidade que não satisfaça plenamente as necessidades, evitando-se, assim, que o excesso de consumo gere insatisfação. Ademais, por vezes, a penúria é a melhor mestra para o aproveitamento dos recursos.
2. Existir sempre a possibilidade de se colocar a responsabilidade sobre o mal nos ombros de outrem, para que a culpa pelos fiascos seja sempre do Outro. É claro que tal atitude contrária a moral burguesa, mas na verdade é o desejo de praticamente todos.
3. Haver um lugar, real, físico, ou imaginário com o qual se possa sonhar.
Ironicamente, ou não, ZIZÈK diz que essas condições estavam presentes em sua Tchecolosváquia natal nos anos de 1970. No caso de ser uma ironia, fica clara a sua critica ao Regime Político da época. Na segunda alternativa, pode-se vislumbrar certo lirismo no Filósofo ao associar a felicidade com a sua juventude, com o seu Passado. Aliás, para quase todos os homens, a Felicidade está mais no pretérito do que no futuro, pois o passado pode ser moldado segundo as conveniências do individuo e por isso não é raro que as lembranças sejam manipuladas para torná-las mais agradáveis. Já com o futuro o mesmo não ocorre devido a sua natural indefinição. ZIZÈK também aceita a tese de LACAN que define a Felicidade como a desnecessidade do individuo ter que se confrontar com as consequências de seus desejos.
Coragem Ética – para ZIZÈK, atualmente, precisamos sobretudo desse tipo de coragem, já que é a sua ausência o que mais se observa no meio intelectual europeu e estadunidense. Para se justificarem os sábios citados contra argumentam que tal forma de coragem era a que os Nazistas tinham, com os resultados que se sabe. ZIZÈK rebate dizendo que não é repugnante o fato de os Nazistas terem assumido uma posição, mas sim o fato da mesma ter resultado no genocídio praticado contra homossexuais, ciganos, inválidos e judeus. Segundo ele, é errado pensar que ao assumir certo posicionamento o indivíduo saiba que o mesmo é equivocado. Ao contrário, o sujeito que se coloca ao lado de uma “Corrente de Opinião” julga que ela é correta e é precisamente por isso que o erro não está em assumir uma posição, mas no eventual desvirtuamento da mesma. De todo modo, é imperioso que a tibieza seja vencida e a verdadeira “Coragem Ética” de que tanto se necessita nos tempos atuais seja exercida plenamente. Que não se tema a decisão de assumir determinados comprometimentos, mesmo que esses colidam contra uma suposta “liberdade” de uma minoria. Que não se tema ir contra a corrente “politicamente correta” de se ofertar tolerância excessiva contra a quebra de todos os paradigmas e valores superiores em nome da “expressão individual”. E, acima de tudo, que se usem os meios necessários para defender os valores da humanidade contra todos aqueles que querem fazê-la soçobrar.
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