SARDINHAS E OUTROS PEIXES

SARDINHAS E OUTROS PEIXES

Tenho na memória, que na minha aldeia arraiana, Bismula (Sabugal), o primeiro peixe que saboreei foram sardinhas. Naqueles tempos difíceis uma sardinha dava para três irmãos. Atualmente vendidas aos preços nos Festejos dos Santos Populares, os pobres nem lhe tocam, ficam contentes com o cheiro, estamos pior que antigamente, ao menos uma dava para três.

A seguir a esta espécie marinha, vinha o carapau grande, o chicharro e finalmente o bacalhau.

As duas primeiras espécies, sardinhas e chicharros, a minha mãe, como tinha pouco dinheiro, trocava-os por batatas, um quilo de batatas, meia dúzia de sardinhas, dois quilos uma dúzia, com treze sardinhas, uma para as percas, batatas que abundavam na nossa loja terreira.

O bacalhau o fiel amigo dos pobres da época, para se adquirir a bom preço, tinham-se de percorrer trilhos do contrabando e ir comprá-lo, aí sim, com dinheiro, (o escudo a valer duas pesetas), a terras fronteiriças de Espanha, Almedilha e Albergaria de Aragão. Junto com o bacalhau compravam-se as conservas de sardinhas e atum em latas grandes, azeite, toucinho de porco preto, galhetas e os acessorios véus para as senhoras e meninas cobrirem a cabeça antes de entra num recinto religioso e perfumes tabu. Muitas vezes essas compras eram permutas e máquinas de costura, café idos de Portugal. Este já era o grande contrabando. O pequeno, o das sobrevivências era de poucos escudos à mistura com troca de ovos.

O meu pai encarregou o Zé Brigas, um valentão, capaz de enfrentar o maior touro enfurecido, para lhe trazer de terras castelhanas, o fiel amigo, para a Consoada do Natal. Foi valente, conseguiu chegar a bom porto, à Bismula com a carga às costas, fazendo frente a guardas fiscais e aos carabineiros. Assim tivemos um Natal mais consolado e feliz, comendo bacalhau.

Recordo as minhas idas à estação da C.P. na Cerdeira do Coa, com uns papelinhos amarelados e levantar no inverno, caixas de quinze quilos, depositárias de sacas de sarapilheira, com muitas sardinhas escorchadas, (sardinha que os pescadores em tempos de abundância, no momento da pesca, cortavam-lhe a cabeça, colocavam-nas em reservatórios de água salgada, até perderem sangue eram salgadas,) oriundas de Setúbal, que os amigos João e Júlia Lopes, mandavam para o meu Pai. Por sua vez, o meu saudoso Pai mandava-lhes batatas, queijos de vaca que a minha mãe fazia na nossa humilde casinha, às vezes uns véus de meninas e senhoras, e o perfume tabu, contrabandos de Espanha.

Nesta época dos Santos Populares, a sardinha é a rainha da festa, mas poucos saberão, que o nome é originário da Sardenha, em cujo mar havia enormes cardumes. A Costa Portuguesa é nesta época privilegiada deste peixe, que para não acabar de vez, a CEE, determinou quotas na sua captura, a fim de não se esgotar no oceano.

A sardinha entre outubro e abril, reproduz-se e cresce, para em maio se iniciar a pesca.

Tem imensas qualidades gastronómicas, a sardinha brilhante, prateada, rica numa variedade de vitaminas, que compensam o nosso corpo na manutenção dos níveis normais do colesterol no sangue, do potássio e ajuda a controlar a tensão arterial. Associada a estes bens para a nossa saúde, é um prazer comermos sardinhas, com batatas da Terra Fria, do Planalto do Ribacoa,  saladas, acompanhadas com pimentos assados, para o meu irmão João Fernandes, de preferência vermelhos, temperada com bom azeite e um bom tinto do Fundão.

Para mim, sou suspeito, as melhores sardinhas do mundo são as de Setúbal, pescadas na Costa Vicentina, na zona costeira de Sines.

Esta minha crónica, foi inspirada na sardinhada oferecida pelas Irmãs Hospitaleiras do Sagrada do Coração de Jesus, aos familiares das Pessoas Assistidas, no dia do Desfile das Marchas Populares da Casa de Saúde Santa Isabel de Condeixa, onde participei com o São Pedro nas mãos, pedindo-lhe proteção á minha chegada eterna.

Também foi inspirada e com o pensamento na Quinta do amigo Canário em Orjais, numa encosta nascente da Serra da Estrela, com uma paisagem panorâmica, das mais belas de Portugal. Ali decorreu mais um convívio trimestral, conforme os estatutos da Associação dos Ex-Bancários do Pinto e Souto Mayor das Agências do Fundão e da Covilhã. A ementa nesta quadra do ano…só podiam ser sardinhas, vindas expressamente de Setúbal. Decorreu com muito entusiasmo e as sardinhas estavam divinais, segundo diversos testemunhos.

Este pobre e simples cronista, longe, muito longe de estar presente e nem os ventos favoráveis conseguiram trazer-lhe… ao menos o cheiro.  Fiquei triste…muito triste, mas tive palavras de conforto de estima e consideração. Mensagens …recebi a melhor ementa…registei-a, anoteia-a, para futuros e amistosos encontros e reencontros de memórias.

Saboreei umas genuínas Cerejas do Fundão, por serem as últimas daquele dia, dessa quarta-feira, dia 27 de junho, foram as melhores, carnudas e vermelhas como papoilas na primavera.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Junho/2018

 

 

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Comentários

Amigo Fernandes, a tua escrita transporta-nos para um mundo perdido onde viveram os nossos antepassados, se não forem pessoas como tu a escrever/falando, com a capacidade de descrever com rigor e sensibilidade esse mundo e essas personagens reais, tudo ficará esquecido.

És enorme.

Abraço Frateno