Olhar de Mongol

(Ou a queca que nunca dei)

Passo por ti. Passas por mim.
Tropeçamos um no outro, como perfeitos desconhecidos.
Nossas pupilas cruzam-se e fitam-se demoradamente
na perfeição cúmplice de um olhar de mongol.
Trazes uma exagerada volúpia nos olhos
à qual não consigo resistir...
Meus olhos demoram em ti, e os teus em mim.
Sabemos instantâneamente que vai acontecer.
Não sabemos o quê, mas sabemos que sim.
Sinto uma maré de ânsia subir-me pernas acima
e instalar-se, subitamente, na minha púbis,
imbuindo-me os testículos de um desejo
que me contamina o corpo e a alma
e faz erguer monumentos fálicos à tua imagem,
faz levantar mastros, abrir velas
que levam a quilha da paixão a rasgar o mar que nos separa...
E eu aproveito a bulina e dirijo-me a ti
impelido pelo vento que me leva até ti
a todo o vapor, À tout vitesse!
És linda!
Afago-te a face. Brindas-me com um sorriso.
Somos dois desconhecidos, que se reconhecem dos sonhos
tidos na ressaca delirante doutros amores desfeitos.
Tudo isto é tão estranho, contudo faz tanto sentido.
Minha boca abre-se para te falar...
Mas tu não deixas, tu não queres
e tapas-me os lábios a arder de avidez,
primeiro, com o veludo da polpa dos dedos,
depois, com a rubridez dos teus lábios
na sofreguidão de um beijo demorado.
Nossos dedos mudos tocam-se e enleiam-se,
enlaçam-se, virevolteiam e dão nós cegos
e fico atrelado a ti, numa união par que se torna ímpar.
Agarras-me pela mão e levas-me ao teu abrigo,
ao teu ninho de andorinha primaveril,
que tem o ar carregado do cheiro a rosmaninho
e de flores a desabrochar, que só o abril da primavera nos oferece.
Entramos mudos. Olhamo-nos calados.
...As palavras só poderão atrapalhar!
Estendes-me um copo de uísque, convidando-me a acompanhar-te.
Três pedras de gelo e quatro dedos dourados de líquido cor-de-urina.
Brindamos num tinir cristalino de copos grossos de excitação
e atestamos nossos corpos, num trago, de um combustível
que nos inquina docemente o hálito e nos liberta
das amarras quotidianas e da timidez imprópria.
Ensinas-me o caminho do teu quarto e da tua cama,
obrigando minha líbido a um arranque de motores furiosos,
atingindo rapidamente um excesso de velocidade tal
que culmina no desastre de um choque frontal de nossos corpos
e de nossas bocas, e dos teus seios no meu peito,
e da tua púbis na minha...
Embrulhamo-nos nos destroços um do outro,
amolgamos a chapa das nossas vestes
e somos sapadores que resgatam o corpo um do outro
do enleamento de prisão das roupas.
Rasgo-te o vestido de uma investida só
e tu descascas minhas calças tal casca de banana,
pondo a nu a polpa das minhas pernas
e a semente que é meu sexo.
Finalmente despidos! Na pureza de como se vem ao mundo...
Brinco delicadamente com a ponta da língua no teu umbigo,
obrigando tuas ilhargas aos espasmos coreicos
de uma dança do ventre espontânea e sem ensaios,
e olho teus seios, opalinos e alvos, sorrindo para mim lá do alto,
redondos de uma castidade leitosa,
mirando-me com as pupilas melanodérmicas dos mamilos,
mamilos teus que apontam, acusadores, um telotismo exagerado.
Afago esses teus pêssegos de pele sedosa
e sou novamente lactente no conforto do colo saudoso de mãe,
saboreando a intimidade maternal que teus peitos me oferecem.
Entredevoramo-nos entre beijos e carícias
sem dó nem pudor, num ancestral instinto animal,
apenas com a malícia precisa, com conta, peso e medida.
Separo languidamente as tuas pernas,
tal Moisés a abrir em dois o Mar Vermelho
(e vermelho é o mar que de mês a mês corre entre tuas coxas)
deixando passar o povo oprimido dos meus dedos
que descobrem a vulvar terra humidamente prometida,
que guardas como tua caixa de Pandora,
desconhecida do mundo carnal até então.
- E eu sinto-me português,
a desbravar os mares nunca d'antes navegados -
Beijo-te o sexo, num toque de lábios avesso e perpendicular
que te põe a balbuciar desejos em suspiros,
orgasmos gasosos a evaporarem-se da tua boca...
Escalo o teu monte de Vénus (esse Evereste de tamanho erotismo!)
e arrepanho o algodão emaranhado de teus pentelhos
brincando e arrepelando-os suavemente, enquanto te afago o corpo
que exibe uma pele de galinha tremenda
e me mostra teus pêlos eriçados de tamanha sensibilidade.
...E meu corpo igualzinho ao teu,
pejado de uma electricidade excitante que é tudo menos estática.
Descubro-me entretanto chave que abre a fechadura
da tua caixa de Pandora. Penetro-te.
Movimento-me repetidamente, perante tua passividade morna,
num balanço pendular de baloiço infantil,
obrigando-te, incontáveis vai-vens arrítmicos depois,
ao contorcionismo de um orgasmo.
Selo o consumar do acto com um fraterno beijo em tua testa.
Nossos corpos caem, derreados, no colchão
vencidos pelo cansaço que a paixão provoca,
e deixamo-nos evaporar do mundo
lentamente, muito lento,
sem desejar
nada mais.

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Comentários

Amo  poema erótico! "Quase sinto-me no acto desejável de calor e suor que a paixão ranca de nossos corpos".

Abraços!

M.C.R.