Um dia de chuva
Autor: Alberto Caeiro on Saturday, 9 February 2013
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Esta é a forma fêmea:
dos pés à cabeça dela exala um halo divino,
ela atrai com ardente
e irrecusável poder de atração,
eu me sinto sugado pelo seu respirar
como se eu não fosse mais
que um indefeso vapor
e, a não ser ela e eu, tudo se põe de lado
— artes, letras, tempos, religiões,
o que na terra é sólido e visível,
e o que do céu se esperava
e do inferno se temia,
tudo termina:
estranhos filamentos e renovos
incontroláveis vêm à tona dela,
e a acção correspondente
SOU EU
UM ASTRO
E AMO
DE VER
E TER
A MINHA
HISTÓRIA
O MUNDO
É UMA VERGONHA
DEVERIA
SER MEU
E ORO.
Podesse ir eu comtigo que m'encantas
Como um vinho, no pó da terra dura,
Dormir ambos na mesma sepultura,
Entre os braços das hervas e das plantas?
Dormir no mesmo leito, e a mesma cova
Sentir os nossos pallidos abraços,
De noite, quando branca nos espaços,
Nas hervas desmaiasse a lua nova.
E aquellas tristes cousas que disseram
Os meus olhos nos teus, adormecidos,
Dizel-as outra vez, já confundidos
Na poeira d'aquelles que morreram.
(Á memoria de J. M. Fernandes)
Parce diis
Eu nunca os insultei!... Se estão emfim vencidos
Silencio! Cubra luto a natureza inteira!
Nuvens dillacerae os pallidos vestidos!
Verte gotas de sangue, ó flor da larangeira!
Onde estaes, onde estaes!--Extactica palmeira,
Viste acaso passar os grandes foragidos?
Onde estão Zeus Jesus?! Velhos cedros erguidos!
Nuvens, ventos e mar, guardae sua poeira!
Escrito em 12-4-1919.
Uma gargalhada de raparigas soa do ar da estrada.
Riu do que disse quem não vejo.