Geral

Amas, pobre animal! e tens tu pena?...

Amas, pobre animal! e tens tu pena?...
    Sim, póde na tua alma entrar piedade?
    Se póde entrar, eu sei! Negar quem ha-de
    Amor ao tigre, coração á hyena!
        Tudo no mundo sente: o odio é premio
    Dos condemnados só, que esconde o inferno.
    Tudo no mundo sente: a mão do Eterno
    A tudo deu irmão, deu par, deu gemeo.
        A mim deu-me esta gata, a mim deu-me isto...
    Esta fera, que as unhas encolhendo
    Pelos hombros me trepa e vem, correndo,
    Beijar-me... Só não vivo! amado existo!

*Certa Velhinha*

1

Além, na tapada das _Quatorze Cruzes_,
Que triste velhinha que vae a passar!
Não leva candeia; hoje, o céu não tem luzes...
Cautella, velhinha, não vás tropeçar!

Os ventos entoam cantigas funestas,
Relampagos tingem de vermelho o Azul!
Aonde irá ella, n'uma noite d'estas,
Com vento da _Barra_ puxado do sul?

Aonde irá ella, pastores! boieiras!
Aonde irá ella, n'uma noite assim?
Se for un phantasma, fazei-lhe fogueiras,
Se for uma bruxa, queimae-lhe alecrim!

*A TORTURA DAS CHIMERAS*

Les édifices eloquentes...
     Balzac

Quantas vezes, nas noutes pluviosas,
Ou nas limpidas noutes estrelladas,
Como espectros de espinhos e de rosas--
Erguem-se em nós as cousas apagadas!

Que vezes, n'esta vida positiva,
--N'esta comedia lugubre moderna--
Se eleva a outra esphera nobre e viva
Nossa alma mais poetica, mais terna!

Os contornos das cousas despresadas,
Um fundo triste, um muro, umas ruinas
Um mosteiro, um luar--nas almas finas
São como umas celestes madrugadas.

IN PROMPTUM PASTORAL

_A Amadeu de Freitas_

«Muito vence quem se vence
Muito diz quem não diz tudo,
Porque a um discreto pertence
A tempo fazer-se mudo.»

(_Copla do Infante D. Luiz_.)

Sob este céu creador
De manhã vergiliana,
Apetece ser pastor
E tocar frauta de cana;

Não, pastor d'autos d'amor,
D'eclogas frias e velhas,
Mas verdadeiro pastor
De verdadeiras ovelhas...

Não conhecer o talento
Nem nada do que se ensina.
Esta dôr do entendimento
É peor do que se imagina...

*Quando Chegar a Hora*

Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
    Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade,
    Olhe: eu mesmo lh'a meço...

O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas...
    O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
    Que m'a venha elle abrir.

E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
    Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
    A minha alma é dia!

*A NOUTE DO NOIVADO*

O primeiro conviva, em punho a taça,
Ergueu-se lentamente, e com voz rouca,
Bradou: Amigos! consenti que faça
Uma saude á Morte--a velha louca!

A minha historia é triste e muito pouca!
Eu como vós, sou filho da desgraça,
Amei uma só vez. Que mimo e graça!
Oh que pé andaluz! que olhar, que boca!

Na noute do noivado--ouvi, devassos!
Beijei-a doudamente entre meus braços,
E atirei-a no mar, tremula e nua!

Pages