*Males de Anto*
Autor: António Nobre on Tuesday, 25 December 2012A Ares n'uma aldeia
A Ares n'uma aldeia
Trepam-lhe pelas janellas
Jasmins, cheirosas serpentes,
E soltam-se as bambinellas
Em pregas indifferentes.
Os lyrios que são uns ais
Suspiram melancholias;
Riem quadros sensuaes
Nas largas tapeçarias.
Satyro ri nas florestas
Niobe soluça magoas,
E escuta-se entre as giestas
A voz rythmica das agoas.
E á luz dubia dos occasos
Ensanguentados do Sul
As camelias dos seus vasos
Olham voltadas o azul.
O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo.
I
_A Celestino Steffanina_
Vaidade de vaidades, disse o Ecclesiastes: vaidade de vaidades, e
tudo vaidade.
(_Capit. I, v. 1_).
Semeador de iniquidades,
Porque é que mandas sobre os teus eguaes?!
O mando o que é? _Vaidade de vaidades_,
Fumo que ao desfazer-se engrossa mais...
Oh minha vista o que é que foi que viste
Cá neste mundo impiedoso e rudo?
_Que só a vaidade existe_
--Em todos nós, e em tudo!...
II
_A Israel Anahory_
Amas, pobre animal! e tens tu pena?...
Sim, póde na tua alma entrar piedade?
Se póde entrar, eu sei! Negar quem ha-de
Amor ao tigre, coração á hyena!
Tudo no mundo sente: o odio é premio
Dos condemnados só, que esconde o inferno.
Tudo no mundo sente: a mão do Eterno
A tudo deu irmão, deu par, deu gemeo.
A mim deu-me esta gata, a mim deu-me isto...
Esta fera, que as unhas encolhendo
Pelos hombros me trepa e vem, correndo,
Beijar-me... Só não vivo! amado existo!
1
Além, na tapada das _Quatorze Cruzes_,
Que triste velhinha que vae a passar!
Não leva candeia; hoje, o céu não tem luzes...
Cautella, velhinha, não vás tropeçar!
Os ventos entoam cantigas funestas,
Relampagos tingem de vermelho o Azul!
Aonde irá ella, n'uma noite d'estas,
Com vento da _Barra_ puxado do sul?
Aonde irá ella, pastores! boieiras!
Aonde irá ella, n'uma noite assim?
Se for un phantasma, fazei-lhe fogueiras,
Se for uma bruxa, queimae-lhe alecrim!
Les édifices eloquentes...
Balzac
Quantas vezes, nas noutes pluviosas,
Ou nas limpidas noutes estrelladas,
Como espectros de espinhos e de rosas--
Erguem-se em nós as cousas apagadas!
Que vezes, n'esta vida positiva,
--N'esta comedia lugubre moderna--
Se eleva a outra esphera nobre e viva
Nossa alma mais poetica, mais terna!
Os contornos das cousas despresadas,
Um fundo triste, um muro, umas ruinas
Um mosteiro, um luar--nas almas finas
São como umas celestes madrugadas.
Escrito em 10-7-1930.
O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,