uso palavras que refreiam o meu ímpeto nas jornadas irosas da vida: nos lugares frequentados por homens enfermos; nas suas mirabolantes atuações para consolidarem os egos; nos seus protestos grotescos.
foram as palavras que me repuxaram quando o descalabro me consumiu longe das passadeiras duma benigna liberdade; quando corroí as amarras que me firmavam ao mastro da razão; quando fabriquei um esquife com as minhas insensatas atuações.
as palavras congelam quando as inúmeras deceções nos fazem regressar aos lugares da desventura; quando a fraternidade é um mito urdido para atrair a nossa condição; quando a ternura é uma quimera produzida para embelezar a nossa sensibilidade.
as palavras miraculosas que nos empurram para longe do descampado das angústias... que nos fazem olvidar os descaminhos que percorremos para afrouxarmos a nossa solidão... que nos elevam ao cocuruto da montanha onde jaz o sublime pensamento...
temo as palavras que se anicham nos nossos ouvidos para reconstruirem os obstáculos que ultrapassámos; para inverterem os belos sentidos da nossa vida; para convocarem as palestras torpes que nos afligiram.
as palavras são cativas do seu autor porque ele as tiraniza nos rodopios em volta das suas escoriações; porque ele as metamorfoseia para obter resultados surpreendentes; porque ele as robustece no claustro onde habita.
fogem as palavras das labaredas que as rodeiam sempre que intentam conciliar o mundo com os seus argumentos desvelados; com os seus desempenhos apaziguadores; com os seus amplexos envolventes.
há palavras que nos conduzem pelos carris da poesia até aos lugares onde se enxerga a natureza dos homens: onde as suas grotescas figuras asseveram os comportamentos irracionais; onde se libertam das amarras da indulgência.
as palavras recuperam o seu fulgor na escadaria do sucesso ou nas catacumbas dum ócio planificado; numa esplanada donde se avistem as mais belas praias do mundo; numa cabana franzina e sem ornamentos.
lutam as palavras contra os autómatos que intentam submeter o mundo com as suas dissertações redundantes; com as suas panaceias irrisórias; com as barragens que erguem à sensibilidade da poesia.