Meditação

RECADOS AVULSOS

A GAIVOTA PERENE

os violinos são rejeitados pelos tumultuosos povos que se abastecem de sermões.

A GUERRILHA URBANA

o chão vomitado da praça onde os mancebos agitaram estandartes cintilantes.

A HARPA FLUIDA

haja uma revolução onde não entrem militares nem os portadores duma arrogância que perfure a cerca dos costumes.

A IGNOTA ÍNSULA

o contacto do esperma com o rosto desfigurado duma mulher em cima dum estrado onde arremete a tirania.

A LÓGICA FURIBUNDA

poemas vários

A ENTORSE BOÉMIA

quis abusar das palavras agressivas que engrossam o dicionário dos manifestos.

A ESCADARIA RIBOMBANTE

quando os conflitos se alojavam no sexo com vislumbres duma transparência assustadora.

A ESTRUTURA BOLORENTA

há pessoas que aliviam o sofrimento abraçando outras que lhes cospem em cima.

A FARFALHA ABUNDANTE

a inocência senta-se numa plateia de eruditos enquanto a armadura do juízo regurgita falcatruas.

A FARPELA EXAUSTA

RECADOS AVULSOS

A BORDOADA SENTIMENTAL

no espetáculo figuram bonifrates com os seus tormentos dissecados por analistas fanfarrões.

A CÁRIE EXPURGADA

os litígios recuam para as cavernas hereditárias enquanto os solilóquios emergem entre penhascos abruptos.

A CANTATA DESCONFORME

os caciques molestam aqueles que procuram o sustento nos lugares onde concentram as matilhas.

A CARAPAÇA MUNDANA

aqueles que sobem ao palco para sorverem os aplausos que encorajam as suas ações transitórias.

A CRISÁLIDA AMOROSA

Civilidade

Civilidade
 
Chegará a hora da razão
as palavras, quaisquer que sejam
sentirão cansadas
que nunca haverá consagração
a menos que ditemos
novas leis ao amor
outros princípios à razão
mais que saudades
nunca morrer de amor
falar a verdade sem destemor
acolher os fracos no ascensor da vida
alimentar os famintos em nosso desfavor
jamais alimentar o divisor da paz

a história duma moeda

uma moeda fulge no cetro, tapa o orifício da fome; anicha-se no ouvido, perfura o ar; em fúria avança e recua sobre os corpos ou funde a si quem parte em busca de ínfima sorte, na fonte peneirando, nas brasas da embriaguês; é uma coroa de espinhos, um enigma! inventa o açoite e o martírio e depois enterra-se no chão.

os fundamentos da alma

destapo o roteiro dos abusos, abro os cortinados existenciais com a força obstinada dum energúmeno que sabe apreciar o lado ínvio das paisagens; infiltro-me nos aquedutos da comunicação para que o mundo se emocione com as minhas evidências, reconto os desenganos sequentes aos sorrisos prestimosos e sinceros, desfaço os nós anquilosantes com uma lógica arrevesada no entrosamento das ideias com os factos experimentais; concebo uma evolução sem as farpelas roídas dos arlequins nem os prejuízos dos usurários ou os caricatos desempenhos dos idealistas, exulto com as estaladas que me transportam

Elos de amor

Elos de amor
 
Se somos o que pensamos,
o que escrevemos, 
o que falamos...
então eu,
porque penso no mais que belo
escrevo todo este apelo
carente e profundo
nas fronteiras do meu degredo
falo do que é mais que um flagelo
no meu corpo onde me revelo
a despeito daquilo em que creio
mas isto serve-me por inteiro
pra que nunca se quebre este elo
quer vivamos mais sós 

Caminhando pela chuva

Caminhando pela chuva
 
Caiem pálidas agora
outras minhas lágrimas
suadas pela esgrima da vida
já nem disfarsadas são
mas sempre imploradas e carentes
como esta poesia insuficiente
já sem rima absolutamente
reabre-se apenas mais uma ferida
que agora não sara nunca
e se encobre exacta
pelos suspiros de um beijo
cheio de graça
quando contigo feliz
caminho pela chuva
FC

Quando um homem sonha

Quando um homem sonha
 
Reverenciam-se mágoas
jamais se apagam as verdades
intrínsecas que reflectem
um gesto de plena humanidade
porque estão inscritas na génese
de um discreto grau de piedade
mesmo que aquela hora
de eternidade
se esvazie num segundo
ela é propriedade de alguem
mesmo que as queiramos esquecer
estão ali,fervilhando delicadamente
em cada abraço de generosidade

Pages