Pensamento

Acredita, sim?

Subjugado por um raciocínio
Do qual julgo não ser escravo,
Esconde-se no arbusto o domínio
Esperando o falso do meu passo.

Há uma cadafalso que espera por mim

Não escolhendo os sonhos, escolherei os danos
Mesmo achando que não os escolhi.
Culparei o outro por me estragar os planos
Mas o difícil é acreditar que sim.

Todos os dias são a pressa
Que temos quando não nos olhamos.
É difícil manter a chama acesa
Sem nos incendiarmos de enganos.

Há um engano do qual me perdi

Não é destino velho

Não é destino velho que hoje
Sou poeta,
Mas porque não luto com o sentir
E me deixo viver.

A quadra é meu tormento, terceto
A doce solidão,
Se com rima já tão dói, sem ela
Amargura é refresco.

No papel flutuo como terra batida
Deixada à sorte.
Escolho manter a cortina de poeta
Que já soube não fingir.

Às vezes, com medo de deixar cair o poema

Às vezes, com medo de deixar cair o poema

fora do mapa,

cerro os dentes,

levo-o até casa na boca.  

 

E enquanto ele se escoa lentamente

junto à porta de entrada,

abre ecos pelos degraus

e ganha formas ao fundo,

eu sonho em arrastá-lo

como um gato até

ao resto do mundo.

Quando eu morrer, Cecília,

Quando eu morrer, Cecília,

talvez os galos não cantem mais à minha volta,

talvez não haja brisa, nem mãos delicadas,

que já não é moderno,

só pilares de cimento e frases largadas

de valas, pedras, pó, pás

e larvas na boca.

 

Quando eu morrer, Cecília,

não quero as mãos cruzadas no peito,

um sorriso de seda

e um vestido de roda bordado inglês,

antes uma tigela de marmelada na boca

a desafiar as formigas,

um pregão nos olhos

e as mãos soltas

para coçar os pés.

 

 

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