Cristina Brandão Lavender

tudo em sessenta segundos Hoje preciso de ser abraçada. Muito enlaçada. Com toda a força, com toda a bondade, com todo o companheirismo e amizade, bem-querer e generosidade. Hoje precisei de estar no colo, embrulhada no manto do meu anjo-da-guarda, até que a dor passasse, me deixasse abrir os olhos para o mundo, devagar. Lentamente. Sem pressas, sem cansaços, sem correrias de dia de semana. Correrias loucas de quem corre porque não quer ir a lado nenhum. Um fugir do agora. Um não satisfazer o momento que passa, um deixar de saborear e fazer de um segundo um momento memorável. O meu agora, estes sessenta segundos que vou gastar, era o meu ser ansioso, intenso, por vezes, muitas vezes, extremo. O meu agora era o ouvir a chuva forte a bater na clarabóia e na vidraça do meu quarto. O meu agora era estar neste silêncio de quase sessenta segundos a escrever para os pássaros da minha buganvília e relembrar o que li ontem. Acordo sempre abraçada a um livro de um lado e ao meu amor do outro. E num minuto reescrevi estes sessenta segundos e sorri abraçada a um livro. Sim, hoje acordei de manhã já alta, abraçada à ideia que me dá vida, me persegue desde que, sozinha, aprendi a escrever. Sim porque tão depressa percebi que sabia ler já teimava em escrever a minha alma. Em S. Tomé e Príncipe escrevi os meus primeiros poemas. Em Braga, as minhas primeiras letras publicadas. E assim sou eu. Mais que imperfeita. A escrever para respirar. A escrever para viver. Para ser. Eu. Mesmo. Cristina Brandão Lavener