HERESTA
Que magua ou que receio
Dos olhos te desata
Aljofares de prata
No jaspe do teu seio?
Bem intima ser deve
A pena que te opprime,
Flôr tenra como o vime,
Flôr pura como a neve!
--Compunge-te isso, dóe-te
Vêr esmaltando o calix
Da erma flôr dos valles
O balsamo da noite?
Se aos olhos nos affluem
As lagrimas, parece
Que a dôr nos adormece,
E as maguas diminuem.
--Heresta! pois inclina
Na minha a tua face
E deixa me repasse
Teu balsamo, bonina!
Abraça-me, divide
Commigo esse consolo,
Enlaça-te ao meu collo
Como ao olmeiro a vide!
Ás vezes tambem quando
Os olhos se me estendem
Ás luzes, que se accendem
No templo venerando;
Tão intima saudade,
Tão intimo desejo,
D'um mundo, que não vejo,
Me inspira a immensidade...
Que o pranto se agglomera
Na palpebra, onde morre;
Sim, gela-se, não corre,
Tal é a dôr que o gera!
--É Deus que a si te aspira,
É Deus que ao céo te chama;
Que em tudo amor derrama,
A tudo amor inspira!
Canta-o, o justo, o santo!
E a flôr que o campo adorne
Thuribulo se torne
Mal te ouça o dôce canto.
--Inspira-o pois, inspira,
Virgem de intacto pejo!
Seja um teu riso o harpejo
E um teu cabello a lyra!
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O sol já da montanha
Te disse adeus! adeus!
E a cupula dos céos
Ficou pallida e estranha.
E aquella, que a bondade
De Deus em si reflecte,
Em quanto ao sol compete
Mostrar-lhe a magestade,
Á luz extrema d'hoje
Ergueu livida a face
Com medo que avistasse
Quem busca, e de quem foge.
Fluxo e refluxo eterno
D'alma contradictoria,
Que após continua gloria,
Anda em continuo inferno.
Poeta! é copia tua,
Supplicio igual te inquieta.
Mas que alma de poeta
Teu seio arqueia, oh lua?
Amor, amor como este,
Visão timida e casta
Em giro eterno arrasta
A lampada celeste.
Como esse que a deshoras
A ti te ergue a cabeça
E aos ermos te arremessa
Em busca do que adoras.
Mas, ah! pallido globo!
É pio d'ave nocturna,
Echo em alguma furna
Do uivo d'algum lobo?
Ouço uma voz... escuta:
É ella a voz que se ouve?
Ou monge que inda louve
A Deus, n'alguma gruta!
Quem lá em baixo á escarpa
D'um ingreme penedo
No tremulo arvoredo
Entorna os ais d'uma harpa?
É ella a minha Heresta,
A minha branca ermida
Do ermo d'esta vida,
Mais erma que a floresta?
Tu, lua, que no val
D'Aialon paraste,
Já viste em sua haste
Suspenso lirio igual?
Não é, não é mais bella
A rosa entre os abrolhos,
Nem ha como os seus olhos
No céo nenhuma estrella!
É á luz d'uma alvorada,
Apenas desabrocha,
Nos angulos da rocha
Vêl-a despedaçada!
Vós, lobos! ide em bando,
Trepai pelo rochedo,
Uivai, mettei-lhe medo,
Levai-a recuando!
Que faz quem se aproxima
D'um precipicio, diz-m'o?
Que buscas tu no abysmo
Se o céo é lá em cima?
Não tarda muito, creio,
Que acabe esta ancia nossa,
E Deus unir-nos possa
No seu eterno seio.
É lá que a alma falla,
Lá que o amor se mede,
Que em brilho o sol excede,
E em gloria a Deus iguala!
Na nuvem do futuro
Teus vagos olhos prega!
Depois de noite negra
Vem sempre um céo mais puro.
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E agora, se o desejo
Te satisfiz, em premio
D'um canto d'alma gemeo,
Um gemeo e dôce beijo!
Coimbra.