MALMEQUER
Talvez em eu morrendo a teus ouvidos
Chegue a noticia, que hoje os factos vôam,
E oiças então os intimos gemidos
Que exhalo e te não sôam.
Talvez então, embora me não ames,
Com esses olhos humidos de fito
Na minha sombra: «Desgraçado! exclames;
Amava-me, acredito.
«Levou a vida amando-me: que prova
Me podia alguem dar de mais ternura,
Ingrata como eu era! Abri-lhe a cova,
Cavei-lhe a sepultura!
«Hei-de regal-a de meu pranto. Julgo
Do meu dever... agradecer-lhe agora!
Purificar-me em lagrimas! O vulgo
Que me censure embora.
«Hei-de ir dispôr um pé de saudade
Na terra onde elle descançou da lida;
Mostrar-lhe amor, mostrar-lhe piedade,
Que não mostrei em vida!»
Se fôres, meu amor! uma perpetua,
E uma saudade ser-me-hia dôce!
Mas só perpetua ou saudade, aceito-a,
E um malmequer que fosse.
Lisboa.