DESLUMBRAMENTOS
Autor: Cesário Verde on Monday, 31 December 2012
Milady, é perigoso contemplal-a, Quando passa aromatica e normal, Com seu typo tão nobre e tão de sala, Com seus gestos de neve e de metal. Sem que n'isso a desgoste ou desenfade, Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas, Eu vejo-a, com real solemnidade, Ir impondo toilettes complicadas!... Em si tudo me attrae como um thesoiro: O seu ar pensativo e senhoril, A sua voz que tem um timbre de oiro E o seu nevado e lucido perfil! Ah! Como m'estontêa e me fascina... E é, na graça distincta do seu porte, Como a Moda superflua e feminina, E tão alta e serena como a Morte!... Eu hontem encontrei-a, quando vinha, Britannica, e fazendo-me assombrar; Grande dama fatal, sempre sósinha, E com firmeza e musica no andar! O seu olhar possue, n'um fogo ardente, Um archanjo e um demonio a illuminal-o; Como um florete, fere agudamente, E afaga como o pello d'um regalo! Pois bem. Conserve o gelo por esposo, E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos, O modo diplomatico e orgulhoso Que Anna d'Austria mostrava aos cortezãos. E emfim prosiga altiva como a Fama, Sem sorrisos, dramatica, cortante; Que eu procuro fundir na minha chamma Seu ermo coração, como um brilhante. Mas cuidado, milady, não se afoite, Que hão-de acabar os barabaros reaes; E os povos humilhados, pela noite, Para a vingança aguçam os punhaes. E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas, Sob o setim do Azul e as andorinhas, Eu hei-de ver errar, allucinadas, E arrastando farrapos--as rainhas!
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