HUMILHAÇÕES
Autor: Cesário Verde on Friday, 4 January 2013
(De todo o coração--a Silva Pinto) Esta aborrece quem é pobre. Eu, quasi Job, Acceito os seus desdens, seus odios idolatro-os; E espero-a nos salões dos principaes theatros, Todas as noites, ignorado e só. Lá cança-me o ranger da seda, a orchestra, o gaz; As damas, ao chegar, gemem nos espartilhos, E emquanto vão passando as cortezans e os brilhos, Eu analyso as peças no cartaz. Na representação d'um drama de Feuillet, Eu aguradava, junto à porta, na penumbra, Quando a mulher nervosa e van que me deslumbra Saltou soberba o estribo do coupé. Como ella marcha! Lembra um magnetisador. Roçavam no veludo as guarnições das rendas; E, muito embora tu, burguez, me não entendas, Fiquei batendo os dentes de terror. Sim! Por não podia abandonal-a em paz! Ó minha pobre bolsa, amortalhou-se a idéa De vel-a aproximar, sentado na platéa, De tel a n'um binoculo mordaz! Eu occultava o fraque usado nos botões; Cada contratador dizia em voz rouquenha: --Quem compra algum bilhete ou vende alguma senha? E ouviam-se cá fóra as ovações. Que desvanecimento! A perola do Tom! As outras ao pé d'ella imitam as bonecas; Tem menos melodia as harpas e as rabecas, Nos grandes espetaculos do Som. Ao mesmo tempo, eu não deixava de a abranger; Vi-a subir, direita, a larga escadaria E entrar no camarote. Antes estimaria Que o chão se abrisse para me abater. Saí; mas ao sair senti-me atropellar. Era um municipal sobre um cavallo. A guarda Espanca o povo. Irei-me; e eu, que detesto a farda, Cresci com raiva contra o militar. De subito, fanhosa, infecta, rota, má, Pôz-se na minha frente uma velhinha suja, E disse-me, piscando os olhos de coruja: --Meu bom senhor! Dá-me um cigarro? Dá?...
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