RESPONSO

 

I

N'um castello deserto e solitario,
Toda de preto, ás horas silenciosas,
Envolve-se nas pregas d'um sudario
E chora como as grandes criminosas.

Podesse eu ser o lenço de Bruxellas
Em que ella esconde as lagrimas singellas.

II

E loura como as doces escocezas,
D'uma belleza ideal, quasi indecisa;
Circumda-se de luto e de tristezas
E excede a melancolica Artemisa.

Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seus peccados.

III

Alta noite, os planetas argentados
Deslisam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas aguas mansissimas do lago

Podesse eu ser a lua, a lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.

IV

E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pégos,
E nas salas resoam uns suspiros
Dolentes como as supplicas dos cegos.

Fosse eu aquellas aves de pilhagem
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.

V

E ella vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas desthronadas,
A contemplar as gondolas airosas,
Que passam, a giorno illuminadas.

Podesse eu ser o rude gondoleiro
E alli é que fizera o meu cruzeiro.

VI

De dia, entre os veludos e entre as sedas,
Murmurando palavras afflictivas,
Vagueia nas umbrosas alamedas
E acarinha, de leve, as sensitivas.

Fosse eu aquellas arvores frondosas
E prendera-lhe as roupas vaporosas.

VII

Ou domina, a rezar, no pavimento
Da capella onde outr'ora se ouviu missa,
A musica dulcissima do vento
E o sussuro do mar, que s'espreguiça.

Podesse eu ser o mar e os meus desejos
Eram ir borrifar-lhe os pés, com beijos.

VIII

E ás horas do crepusculo saudosas,
Nos parques com tapetes cultivados,
Quando ella passa curvam-se amorosas
As estatuas dos seus antepassados.

Fosse eu tambem granito e a minha vida
Era vêl-a a chorar arrependida.

IX

No palacio isolado como um monge,
Erram as velhas almas dos precítos,
E nas noites de inverno ouvem-se ao longe
Os lamentos dos naufragos afflictos.

Podesse eu ter tambem uma procella
E as lentas agonias ao pé d'ella!

X

E ás lages, no silencio dos mosteiros,
Ella conta o seu drama negregado,
E o vasto carmesim dos resposteiros
Ondula como um mar ensanguentado.

Fossem aquellas mil tapeçarias
Nossas mortalhas quentes e sombrias.

XI

E assim passa, chorando, as noites bellas,
Sonhando nos tristes sonhos doloridos,
E a reflectir nas gothicas janellas
As estrellas dos ceus desconhecidos.

Podesse eu ir sonhar tambem comtigo
E ter as mesmas pedras no jazigo!

XII

Mergulha-se em angustias lacrimosas
Nos ermos d'um castello abandonado,
E as proximas florestas tenebrosas
Repercutem um choro amargurado.

Unissemos, nós dois, as nossas covas,
Ó doce castellã das minhas trovas!
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