FRIGIDA
Autor: Cesário Verde on Monday, 14 January 2013
I Balzac é meu rival, minha senhora ingleza! Eu quero-a porque odeio as carnações redondas! Mas elle eternisou-lhe a singular belleza E eu turbo-me ao deter seus olhos côr das ondas. II Admiro-a. A sua longa e placida estatura Expõe a magestade austera dos invernos. Não cora no seu todo a timida candura; Dansam a paz dos ceos e o assombro dos infernos. III Eu vejo-a caminhar, fleugmatica, irritante, N'uma das mãos franzindo um lenço de cambraia!... Ninguem me prende assim, funebre, extravagante, Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia! IV Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite, Mas nunca a fitarei d'uma maneira franca; Traz o esplendor do Dia e as pallidez da Noite, É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca! V Podesse-me eu prostrar, n'um meditado impulso, Ó gelida mulher bizarramente estranha, E tremulo depor os labios no seu pulso, Entre a macia luva e o punho de bretanha!... VI Scintilla no seu rosto a lucidez das joias. Ao encarar comsigo a phantasia pasma; Pausadamente lembra o silvo das giboias E a marcha demorada e muda d'um phantasma. VII Metallica visão que Charles Baudelaire Sonhou e presentiu nos seus delirios mornos, Permitta que eu lhe adule a distincção que fere, As curvas de magreza e o lustre dos adornos! VIII Deslise como um astro, uma astro que declina; Tão descançada e firme é que me desvaria, E tem a lentidão d'uma corveta fina Que nobremente vá n'um mar de calmaria. IX Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge, No bosque das ficções, ó grande flor do Norte! E, ao, perseguil-a, penso acompanhar de longe O socegado espectro angelico da Morte! X O seu vagar occulta uma elasticidade Que deve dar um gosto amargo e deleitoso, E a sua glacial impassibilidade Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso. XI Porem, não arderei aos seus contactos frios, E não me enroscará nos serpentinos braços: Receio supportar febrões e calefrios; Adoro no seu corpo os movimentos lassos. XII E se uma vez me abrisse o collo transparente, E me osculasse, emfim, flexivel e submisso, Eu julgaria ouvir alguem, agudamente, Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!
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