DE VERÃO
Autor: Cesário Verde on Monday, 14 January 2013
A Eduardo Coelho I No campo; eu acho n'elle a musa que me anima: A claridade, a robustez, a acção. Esta manhã, saí com minha prima, Em que eu noto a mais sincera estima E a mais completa e séria educação. II Creança encantadora! Eu mal esboço o quadro Da lyrica excursão, d'intimidade Não pinto a velha ermida com seu adro; Sei só desenho de compasso e esquadro, Respiro industria, paz, salubridade. III Andam cantando aos bois; vamos cortando as leiras; E tu dizias: «Fumas? E as fagulhas? Apaga o teu cachimbo junto ás eiras; Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras! Quando me alegra a calma das debulhas!» IV E perguntavas sobre os ultimos inventos Agrícolas. Que aldeias tão lavadas! Bons ares! Boa luz! Bons alimentos! Olha: Os saloios vivos, corpulentos, Como nos fazem grandes barretadas! V Voltemos. Na ribeira abundam as ramagens Dos olivaes escuros. Onde irás? Regressam os rebanhos das pastagens; Ondeiam milhos, nuvens e miragens, E, silencioso, eu fico para traz. VI N'uma collina azul brilha um logar caiado. Bello! E arrimada ao cabo da sombrinha, Com teu chapéo de palha, desabado, Tu continúas na azinhaga; ao lado Verdeja, vicejante, a nossa vinha. VII N'isto, parando, como alguem que se analysa, Sem desprender do chão teus olhos castos, Tu começaste, harmonica, indecisa, A arregaçar a chita, alegre e lisa Da tua cauda um poucochinho a rastos. VIII Espreitam-te, por cima, as frestas dos celleiros; O sol abrasa as terras já ceifadas, E alvejam-te, na sombra dos pinheiros, Sobre os teus pés decentes, verdadeiros, As saias curtas, frescas, engommadas. IX E, como quem saltasse, extravagantemente, Um rego d'agua sem se enxovalhar, Tu, a austera, a gentil, a intelligente, Depois de bem composta, déste á frente Uma pernada comica, vulgar! X Exotica! E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo! No atalho enxuto, e branco das espigas Caidas das carradas no salmejo, Esguio e a negrejar em um cortejo, Destaca-se um carreiro de formigas. XI Ellas, em sociedade, espertas, diligentes, Na natureza trémula de sede, Arrastam bichos, uvas e sementes; E atulha, por instincto, previdentes, Seus antros quasi occultos na parede. XII E eu desatei a rir como qualquer macaco! «Tu não as esmagares contra o solo!» E ria-me, eu ocioso, inutil, fraco, Eu de jasmim na casa do casaco E d'oculo deitado a tiracolo! XIII «As ladras da colheita! Eu se trouxesse agora Um sublimado corrosivo, uns pós De solimão, eu, sem maior demora, Envenenal-as-hia! Tu, por ora, Preferes o romantico ao feroz. XIV Que compaixão! Julgava até que matarias Esses insectos importunos! Basta. Merecem-te espantosas sympathias? Eu felicito suas senhorias, Que honraste com um pulo de gymnasta!» XV E emfim calei-me. Os teus cabellos muito loiros Luziam, com doçura, honestamente; De longe o trigo em monte, e os calcadoiros, Lembravam-me fusões d'immensos oiros, E o mar um prado verde e florescente. XVI Vibravam, na campina, as chocas da manada; Vinham uns carros a gemer no outeiro, E finalmente, energica, zangada, Tu inda assim bastante envergonhada, Volveste-me, apontando o formigueiro: XVII «Não me incommode, não, com ditos detestaveis! Não seja simplesmente um zombador! Estas mineiras negras, incançaveis, São mais economistas, mais notaveis, E mais trabalhoras que o senhor.»
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