REFUGIO ULTIMO!
Deixa, Senhor, do mundo em que eu habito
A ti meu ser se evol'!...
Tem jus aos ceus quem mede esse infinito
Que vae de sol a sol!...
Sonhei na terra, amando-a muito e muito,
Novo Deus, nova lei;
Mas foi, pura illusão, baldado intuito,
Comtigo só me achei!...
Suppuz em vez do gellido egoismo,
Da guerra surda e atroz
D'interesses, em perpetuo antagonismo,
Que envolve a todos nós:
Homens, povos, nações, por varios modos
Unidos, dando as mãos:
_Todos por um, valendo um só por todos,
Vivendo como irmãos!..._
É fé que sigo, é crença que mantenho:
Que em mysterioso nó
Unis-te os homens, com supremo engenho,
Formando uma alma só;
Em serviço da qual cada individuo,
Com multiplo labor,
Trabalha por lhe dar, no esforço assiduo,
O maximo esplendor!...
Quão mais estreito o vinculo fôr dado,
Mais luz hade irromper
Do nosso coração, do amor gerado
No ventre da mulher!...
Tal o sonho que em dias mais felizes
Ao mundo consagrei!...
Como hade aqui lançar fundas raizes:
A ti contente irei!...
Se um raio de calôr ou luz, prestantes,
A terra a si prendeu:
É vel'os como, em rapidos instantes,
Se evolam para o céu;
E como, n'um sentido em tudo opposto,
A pedra na amplidão,
Quanto mais alto attinge, com mais gosto
Gravita para o chão!...
E eu não gravito: eu subo na vertigem
D'um céllico condor
A demandar em ti, na propria origem,
Belleza, luz e amor!
Permitte, pois, do mundo em que eu habito
Meu ser a ti se evol':
Tem jus aos ceus quem mede esse infinito
Que vae de sol a sol!
Novembro de 1868.