FROUXO SENTIMENTO

Frouxo oh talvez pálida esta rima
Destes meus delírios inconstantes
Porém odeio o pó em que me deixa
Tedioso, gela-me o sangue nas veias

Não existe nada além do meu vazio
Onde a vida não nos permite ensaios
Somos eternos amadores na vivência
Numa dura aprendizagem das dores

Nesse mundo tu és o meu maior vício
Sou uma viciada, portanto, sem ter cura
Na procura interminável da tua ternura
Matei a criança que havia dentro de mim

DESPOJADA

Despojada de mim, atravesso o tal inverno
Na existência de uma flor, desconheço o nome
No regresso ao esquecimento, espelho vazio
Cega de uma tal solidão, na pureza abandonada

O tempo flui no que procuro sem procurar
Demanda do que sou, foi ou talvez, seja ainda
Eu já sei que o teu desejo espreita o meu corpo
Ele refugia-se nas trevas, num triste, belo sonho

ERGÁSTULO

Ergástulo sombra, desta escura vida
Uma prisão solitária, onde nada mais
Posso, fazer se não chorar, chorar e
Nas lágrimas vertidas peço o perdão

De todos aqueles que em vida, não pude
Mas que também nunca quis, quis amar
Ó rude este caminho de fragas no monte
Que levam as águas turbulentas para o mar

Calabouço na alma presa entre as grades
Liberdade mortal para um pobre imortal
Rasga a carne entre os grilhões de mudos
Dentes, almas presas, abandonada prisão

SOBREVIVER

Nas paredes de pedra calcária da entrada
Esvoaçamos já pelas escadas de fragas
Acorrentamos os nossos nomes na hera
Inventamos traços onde nós nos amamos

Concordamos nas palavras como se fossem
De um último adeus, de um último comboio
Que partiu para longe sem, sem ti, sem mim
Janela de casa que dava para o florido jardim

LUZ DO SOL

Como na manhã que brilha a luz solar
Ao amanhecer eu te darei a minha vida
Onde de luto esta o meu pobre coração
Deixei as minhas flores num túmulo roxo

De olhos abertos, no limiar do teu desejo
Eu sou a escrava, dos meus sofrimentos
De lágrimas nos olhos do esquecimento
Na sepultura do desejo, rasgo a mortalha

Como uma lâmpada acesa de óleo reflexos
Brasas de raízes, oliveira de madeira verde
De pérolas, do mar de uma viagem longa
Luz sol quente de ti, de mim, a cada manha.

ARDÓSIA DE FISGAS

A ardósia é cega de palavras
No crepúsculo dos teus sonhos
Despida de letras em corpo nu
Comi, bebi, do teu belo corpo

Amei, desejei também ser amada
Na entrega de quem já me amou
Que conseguiu ler as minha páginas
Do que sou, cheia de sentimentos

Com a humildade de todo o meu ser
É não querer, viver só, por viver
Numa necessidade louca de amar
Fisgas de tantos loucos momentos

O VENTO

É só o vento que me traz todos
Vestígios que me lembram de ti
O mar fala no horizonte já vago
O nevoeiro tece nuvens macias

Os suspiros de cores de aromas
Relata o inverno a tentar despertar
Não chove lá fora, chove dentro
Do peito profundo talvez molhado

De tantas memórias tuas já perdidas
Esquecidas de mim num sopro gelado
Para salvar a minha alma em ruínas
Afastei-me de todos os nossos silêncios.

 

MORTALHA NAS ONDAS DO MAR

I
O mar de mortalha, embalada por gemidos
Que rasgas a carne de uma dor, dilacerante
Embalsas, todas as dores, entre murmúrios
Desfalece, misteriosamente num total afligir
II
Martírio transfigurado já pela sua angústia
Sombra das noites pesadas de tanta agonia
De tanto pavor da morte, desaparecia longe
Madrugada desses pensamentos impacientes
III
Os corvos voavam ao seu redor já famintos
Enroscados a sua negra fria mortalha de dor
Desespero, na agonia da carne que se dilacera

PAUSA DE VERBOS

I

Não nego que me entrego sempre
Que cheguei ao ponto do insano
Procuro refúgio nas ondas do mar
E é na loucura que no mar navego

Se o tempo insiste em levar-me
Perdi-me intoxicado na dura vida
Mergulho no vento, pó sem horas
Cada dia é estranho, já sinto na pele

II

Os meus medos costumam voar
Só queria ser, um poeta irreverente
Eu entrego-me, mas nunca me nego
Num sensível sorriso já permanente

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