TRISTEZA
Autor: Soares de Passos on Thursday, 13 December 2012
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Pediste-me um soneto delicado,
Exquisito, gentil, galanteador,
Feito com versos d'oiro e cravejado
Com rimas de finissimo lavor.
Ora eu, confesso aqui o meu peccado,
Nunca tive feição de trovador,
Acho o lyrismo d'album requintado,
Banal, elogioso, sem valor.
Aqui me tens; jámais falto ás promessas.
Exijo, pois, de ti que não esqueças,
Em troca, filha, este pedido meu:
Que para ennobreceres o soneto,
Venhas fechar o ultimo tercetto
--Com o ponto final d'um beijo teu.
A poesia não voltará a ritmar a ação; ela passará a antecipá-la.
Sua buzina tocára
O conde, altivo senhor:
«De pé, de cavallo, álerta!--
Disse; e monta o corredor.
O nobre animal relincha:
Pula e parte; e a turba após.
Ei-los vão! Quem era o conde?
Era o _caçador feroz_.
Por estevaes e por sarças,
Por campinas cultivadas,
Voam rapidos. Resoam
Motejos, gritos, risadas.
O sol que vinha rompendo
Em luz as veigas banhava,
E do zimborio do templo
O lanternim scintillava.
«_Tlim, tlão!_--convocando á missa,
Eu deliro, Gertrúria, eu desespero
No inferno de suspeitas e temores.
Eu da morte as angústias e os horrores
Por mil vezes sem morrer tolero.
Pelo Céu, por teus olhos te assevero
Que ferve esta alma em cândidos amores;
Longe o prazer de ilícitos favores!
Quero o teu coração, mais nada quero.
Ah! não sejas também qual é comigo
A cega divindade, a Sorte dura.
A vária Deusa, que me nega abrigo!
Tudo perdi: mas valha-me a ternura
Amor me valha, e pague-me contigo
Os roubos que me faz a má ventura.
Vem, meu ginete: oh vem, meu nobre amigo!
Chama-te em altos sons tuba do norte.
Prestes no saque, intrepido nas brigas,
Dá, guiado por mim, asas á morte.
Os teus jaezes não arreia o ouro;
Mas de meus feitos o terás em paga.
Meu ginete fiel, rincha orgulhoso,
E os reis e os povos com teus pés esmaga.
Tuas rédeas me entrega a paz que foge.
Ei-los por terra os europeus baluartes!
Meus aureos sonhos realisa agora;
Terás repouso na mansão das artes.
Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dão as boas noites,
E a minha voz contente dá as boas noites.
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Rasga esses versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada de um momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...
Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...