Não há outro pecado além da estupidez.
Autor: Oscar Wilde on Friday, 16 November 2012Não há outro pecado além da estupidez.
Não há outro pecado além da estupidez.
Oh estações, oh castelos!
Que alma é sem defeitos?
Eu estudei a alta magia
Do Amor, que nunca sacia.
Saúdo-te toda vez
Que canta o galo gaulês.
Ah! Não terei mais desejos:
Perdi a vida em gracejos.
Tomou-me corpo e alento,
E dispersou meus pensamentos.
Ó estações, ó castelos!
Quando tu partires, enfim
Nada restará de mim.
Ó estações, ó castelos!
Mais alto, sim! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem
O mundo não conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!
Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível!
Turris Ebúrnea erguida nos espaços,
A rutilante luz dum impossível!
Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!
Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce;
Se nela o Céu mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece?
Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história.
Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória
De ver que tendes tanta de matar-me.
Tu, vã Filosofia, embora aviltes
Os crentes nas visões do pensamento,
Turvo clarão de raciocínios tristes
Por entre sombras nos conduz, e a mente,
Rastejando a verdade, a desencanta;
Nem doloroso espírito se ilude,
Se o que, dormindo, creu, crê, despertando.
Até no afortunado a vida é sonho
(Sonho, que lá no fim se verifica),
E ansioso pesadelo em mim, que a choro,
Em mim, que provo o fel da desventura,
Desde que levantei, que abri, carpindo,
Os olhos infantis à luz primeira;
A mãe, que em berço dourado
Pôs teu corpo cristalino,
É sup'rior ao Destino,
Depois de te haver criado.
Quando Amor, o Nume alado,
Tua infância acalentou,
Quando os teus dias fadou,
Minha Lília, minha amada,
A mãe ficou encantada,
A Natureza pasmou.
Diz-me, amor, como te sou querida,
Conta-me a glória do teu sonho eleito,
Aninha-me a sorrir junto ao teu peito,
Arranca-me dos pântanos da vida.
Embriagada numa estranha lida,
Trago nas mãos o coração desfeito,
Mostra-me a luz, ensina-me o preceito
Que me salve e levante redimida!
Nesta negra cisterna em que me afundo,
Sem quimeras, sem crenças, sem turnura,
Agonia sem fé dum moribundo,
Grito o teu nome numa sede estranha,
Como se fosse, amor, toda a frescura
Das cristalinas águas da montanha!
Escrito em 7-5-1914.
Antes o vôo da ave, que passa e não deixa rasto,
Eis que a turba rareia. Ermam bem poucos
Do templo na amplidão: só lá no escuro
De afumada capella o justo as preces
Ergue pio ao Senhor, as preces puras
De um coração que espera, e não mentidas
De labios de impostor, que engana os homens
Com seu meneio hypocrita, calando
Na alma lodosa da blasphemia o grito.
Então exultarão os bons, e o ímpio,
Que passou, tremerá. Emfim, de vivos,
Da voz, do respirar o som confuso
Vem confundir-se no ferver das praças,
E pela galilé só ruge o vento.
(IMPRESSÃO DA BIBLIA DO SONHO)
Emquanto os outros vão, ao som das guitarradas,
Capas a desfiar, batinas sem botões,
Entre explosões joviaes de intensas gargalhadas,
Cantando alegremente eroticas canções,
Elle despresa a vida, o riso, os corações
E n'um mystico horror d'almas fanatisadas,
Foge do mundo e vae, á busca de illusões,
Em frageis bergantins de velas enfunadas.
Talento peregrino o seu ideal recorda
Um extasis de monja em frente d'um altar,
Á hora em que o sol morre e a lua meiga acorda.