o recreio das palavras
Autor: António Tê Santos on Sunday, 27 October 2024as palavras ampliam o seu fulgor nas catacumbas dum ócio organizado; numa esplanada donde se aviste a mais bela praia do mundo; numa cabana franzina e sem ornamentos.
as palavras ampliam o seu fulgor nas catacumbas dum ócio organizado; numa esplanada donde se aviste a mais bela praia do mundo; numa cabana franzina e sem ornamentos.
as palavras bulham contra os autómatos que intentam submeter o mundo com as suas dissertações redundantes; com as suas panaceias irrisórias; com as barragens que erguem à sensibilidade da poesia.
as palavras sonham transformar as benesses dos indivíduos numa verdadeira camaradagem; numa realidade que se prolongue pelos caminhos da indulgência; em poemas que idealizem um eternal fervor humano.
Gosto de cinema mudo
dá para entender tudo
gosto de Chaplin
da sua fala pacifica
sua roupa acinzentada
gosto de poucas palavras
é suficiente para entender o mundo
gosto de poemas curtos
de sua gestação em qualquer turno
gosto deste sono reanimador
um ensaio para morte?
Gosto da vida
luto para deixar na próxima estação um legado
como Chaplin
que me faz sorrir
gosto de quase tudo
da paz do meu eu e a do mundo
da profecia 2:4 de Isaías
que dará sentido a tudo.
as palavras sossegam nos meus bolsos após inflamarem o mundo derredor; após impelirem as pérfidas atuações humanas; após desejarem a vã glória e a supremacia; após transgredirem as leis vigentes com imprudência.
o corrupio das palavras recheia o meu viver nos lugares onde a harmonia se desdobra em múltiplos afetos; em páginas de controlo assético a este mundo irracional; a esta moagem frenética de crueldades inverosímeis.
o recreio cinge-se às palavras que amadurecem as minhas ideias: elas geram faíscas que iluminam os meus arroubos poéticos; e que me permitem examinar os comportamentos humanos.
o mundo inspira-me a escrever sobre os seus trejeitos hipócritas; sobre a pacífica ordenação onde se possa arrevesar a sua textura sadomasoquista; onde se possa impedir a posteridade agoirenta que ele origina.
hoje falo da postura dos homens quando agudizam as suas brigas: eles arbitram as suas profundas desavenças para instalarem no mundo um oásis falseado; eles nomeiam um arauto espiritual que patenteia hipocrisia.