Á ARVORE

Quando contemplo em paz teu nobre vulto
      Erguido aos ceus: envolto em verde manto,
      Supponho contemplar um justo,... um santo,...
      Um pae,... um Deus,... algum mysterio occulto!...

      Ha não sei bem que força em mim tão forte,
      Não sei que grande instincto inabalavel
      A levar para quanto é bello e estavel
      Esta alma, para quem só Deus é norte,

      Que em ti, oh mãe, em ti achei guarida...
      A tua sombra off'rece a paz e a esperança
      A quem no mundo é triste e em vão se cança
      Para aos ceus dirigir a propria vida!...

      Quantas vezes em horas d'agonia,
      Que deixavam meus olhos rasos d'agua,
      Eu não deixei ficar-te aos pés a magoa,
      Buscando tua sombra noite e dia?!...

      Quantas horas fitando os ceus pasmado
      Eu não passei, deixando o olhar suspenso
      N'aquelle vasto seio azul e immenso,
      Do verde de teus ramos marchetado?!...

      De dia, quando o Sol aquece o mundo,
      E os entes se propagam, nascem, crescem;
      De noite quando os astros resplandecem
      N'aquellas solidões d'um mar sem fundo:

      Se á tua sombra estou, sinto n'esta alma
      Cair da doce côr que o Sol te veste,
      Da paz que tens, o balsamo celeste
      Que em meu peito as paixões serena e acalma!...

      Ou quando o vento chega, e eu não sei d'onde...
      E passa sobre ti, murmura e canta,
      E eu olho e nada vejo, e a fé mais santa
      Me leva a crer no Deus que o mundo esconde;

      Ou quando á noite, n'um propicio agouro,
      As estrellas dos ceus que mais fulguram
      Das pontas dos teus ramos se penduram
      Como ideias de Deus em fructos d'ouro:

      Amo-te muito e muito, e não me admira,
      Quando tu á minha alma um Deus revellas
      E lhe mandas um hymno em que as estrellas
      São as notas, e a tua coma a lyra!...

      Oh arvore! no amor que a Ti me prende,
      Confesso ao mundo haver bem mais lucrado,
      Que em muito livro d'ouro encardenado,
      Que ahi se espalha e muita gente aprende!...

      Se eu vira, como os fructos dos teus ramos,
      D'entro d'esta alma abrir-se a flôr da ideia
      Á luz deste ideal que em nós se ateia
      Para que nós do mal ao bem subamos;

      Se ás novas gerações, no meu psalterio,
      Cantar podesse a nova luz que assoma,
      Como os orgãos da tua verde coma
      Lançando a vóz de Deus no espaço ethereo;

      Se eu fora como tu viver piedoso,
      E a qualquer desgraçado e pobre amigo
      Offerecer no meu seio o mesmo abrigo,
      Que estende sobre o ninho o ramo umbroso;

      Se eu conseguisse, emfim, levar meu dias,
      Perante o mal que sempre me acompanha,
      Como a arvore sonora da montanha,
      Que descanta ao soprar das ventanias:

      Só assim chegaria um dia a ser
      O espirito sereno, sabio e justo,
      A que deve aspirar, a todo o custo,
      O Senhor da Rasão, que pensa e quer!

Bussaco, 1869.

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