Á VISTA D'UM RETRATO
Amo-te, flôr! Se te amo, Deus que o sabe
Que o diga a teus irmãos, que o céo povoam,
E ebrios de gloria canticos entoam
A quem no mar, na terra e céos não cabe.
Se te amo, flôr! que o diga o mar--que expelle
Quanto é dominio, beija humilde a praia:
Se mal que a lua lá das ondas sáia
Nas rochas me não vê gemer com elle.
Amo-te, flôr! se te amo, o sol que o diga!
Quanto lá da montanha aos céos se eleva,
Se entre os vermes do pó que o vento leva,
Me banha a mim tambem na luz amiga.
Se te amo, flôr? Sem ti, que noite escura,
Meu céo, meu campo em flôr, meu dia e tudo!
Diga-te a noite minha se te illudo,
Se em vida já sem ti, sonhei ventura!
O anjo que a berço humilde e escasso
Do céo me veio alumiar piedoso,
E em lagrimas e riso, pranto e gozo,
Desde então me acompanha passo a passo;
És tu! Amo-te e muito! O que fluctua
Na fornalha que o sopro eterno accende,
Não beija a mão do anjo que o suspende
Com mais amor que eu beijo a sombra tua!
Coimbra.