Aldeia de Joanes e sua toponímia

ALDEIA DE JOANES E A SUA TOPONÍMIA

ANTÓNIO ALVES FERNANDES·SÁBADO, 23 DE JUNHO DE 2018

Há muito que a Toponímia, os nomes dos lugares, das ruas, das praças me têm chamado a atenção, nas nossas aldeias, nas nossas vilas, cidades e campos. A razão de ser dos seus nomes, de ser este e não aquele. Todos têm as suas histórias, as suas lendas.

Muitas das nossas aldeias não tinham qualquer nome a identificá-las, mas os largos, as praças, os campos tinham nomes. Na minha aldeia (Bismula), lá estão, com nomes ancestrais, criados pelo povo, a Ladeira, a Relva, a Praça, o Largo de Santa Bárbara, a Rua do Saco, e os campos, Vale da Areia, Porto Cerdeira, Tapada da Ribeira, Fonte Telheira, Chão do Pinto (moeda antiga), Cruzinha, Fiéis de Deus, Fonte roleira, Enxido, Pereiro, Regadas, Fonte dos Barreiros, Caminho de Ruivós, de Valongo, do Carvalhal, de Vale das Éguas e tantos outros nomes.

Todos os nomes reflectem formas de vida, crenças ancestrais, costumes, profissões, organizações políticas, religiosas, socias.

Passando ou vendo os nomes das avenidas, ruas, travessas, largos, caminhos, becos, sítios, loteamentos, estamos a conhecer e a compreender a História, a Vida, que se vai modernizando, com novos nomes, mantendo na Toponímia a História, a sua Identidade, com nossos nomes, na expansão da nossa ALDEIA.

Se analisarmos a palavra toponímia, sabemos que tem origem grega, a partir das palavras topos (lugar) e onyma (nome).

Assim, através dos tempos foram sinalizados, identificadas ruas, largos, avenidas, pontes, monumentos. Todos os seres humanos têm um nome, as ruas das populações também o devem ter. No Sec. XIX, a toponímia portuguesa levou um grande abanão com a eliminação de tendências religiosas e o abandono das nomenclaturas medievais. Com a publicação do Código Administrativo de 1878, às Camaras Municipais é-lhes atribuída essa função, que nem sempre o Povo respeitou, porque também é soberano nas suas tradições e nos seus costumes. Passou-se exclusivamente a serem feitas homenagens e evocações de personalidades e acontecimentos de relevo. Sou um adversário à mudança de nomes, por alterações políticas ou religiosas. Devemos preservar a História, e por mais voltas que lhe dêm, apesar de alguns a rasgarem, não a apagam. Passando, vivendo, observando e memorizando os nomes, conhecemos a História, a Identidade, prolongada na modernização das nossas comunidades.

Se comungarmos dessas ideias de extinção, os nomes de Afonso Henriques, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque e tantos outros, deviam ser banidos, e ninguém saberia ou teria curiosidade em saber quem foram estas enormes personalidades.

Há tempos, o Professor da Escola Básica de Aldeia de Joanes mandou fazer às crianças um pequeno trabalho escolar sobre a rua, o local onde moravam. Feliz, louvável e bonita iniciativa pedagógica.

Um pai de uma menina aluna telefonou-me e expôs-me a situação, confessando a sua ignorância: “sabe, estou aqui há uns anos e não sei o significado da atribuição do nome da rua onde moro, não poderia ajudar?” Disse-lhe que “bateu na porta certa, pois o nome dessa rua é uma homenagem ao meu sogro. Vou-lhe mandar um email descritivo da razão de ser do nome da rua onde habita com os seus filhos”.

Esta ideia do conhecimento toponímico já andava há muito na minha mente. Pedi ajuda ao Ricardo Fernandes, que me mandou os nomes de toda a toponímia de Aldeia de Joanes. Amavelmente e rapidamente assim o fez, como é seu timbre.

Assim Aldeia de Joanes tem, desde logo, uma avenida que a liga à cidade do Fundão, a Avenida Padre Ferraz, o grande obreiro da obra social, educativa e formativa, “O Abrigo de São José”, para jovens excluídos e marginalizados, pobres...

A Avenida António Mineiro, um industrial, que dá trabalho a centenas de trabalhadoras no sector das confeções.

Quanto às ruas, começo pela Rua Diogo da Silva, Inquisidor Mor do Reino, nascido em Aldeia de Joanes, na Quinta do Outeiro.

Rua Fernão Gonçalves do Outeiro, que colocou Aldeia de Joanes no Mapa dos Descobrimentos. Andou por mares… nunca antes navegados.

Rua Manuel Bernardo de Campos, um Humanista, um Homem Caritativo, Conselheiro, Enfermeiro, Homem Solidário na Paróquia e na Comunidade.

Rua Dr. Alexandre Lopes Barbas, um Homem do Direito, muito admirado pelas gentes de Aldeia de Joanes.

Rua Mártir São Sebastião, que tem junto de si a Capela em sua honra. O santo de grande tradição e devoção popular, protector contra as epidemias. Várias solenidades espalhadas pelo território nacional.

Rua e Praceta de Fagundes, que recorda a Quinta de Fagundes, que originou o Grande Bairro Novo, com grandes empreendimentos de construção civil. O chamado progresso a sacrificar o mundo rural. Esta palavra está muito próxima do sentido de terra fértil.

Rua do Convento, que vai ligar a entrada nascente de Aldeia de Joanes com a Estrada Nacional Souto Casa – Silvares - Minas da Panasqueira – Coimbra. Recorda o Convento de Santo Franciscano – Santo António, em fase final de recuperação para um Hotel de não sei quantas estrelas, junto ao Monumento de Nossa Senhora de Fátima, onde se avista uma paisagem deslumbrante. Do lado esquerdo, a Praceta de Nossa Senhora do Seixo, com a sua capelinha a ornamentá-la. Do lado direito, a Praceta do Soutinho de Nossa Senhora do Miradouro.

Rua Michel Giacometti, em Homenagem ao Andarilho das recolhas musicais tradicionais portuguesas, principalmente do mundo rural. Chegou ao Fundão, na década de sessenta, numa velhinha Renault 4L, e ficou na Casa do Fernando Paulouro. O ex-diretor do Jornal do Fundão acompanhou-o a algumas aldeias da Beira Baixa, deu-lhe pistas, onde se cantavam nas ceifas, na monda do milho, das batatas, do feijão, na apanha da azeitona, cantos quaresmais… Foi Fernando Paulouro quem lhe indicou os contactos de pessoas de Aldeia de Joanes, Lavacolhos, Castelejo (Romaria de Santa Luzia), Alcongosta, Atalaia do Campo.

Recolhas Musicais que ficaram salvaguardadas para as gerações futuras, apresentadas na RTP, no Programa “O POVO QUE CANTA.”

Rua das Cerejeiras, o nome diz tudo, num paraíso de tão saboroso e apetecível fruto.

Rua do Pad´Zé, natural de Aldeia de Joanes e aluno do Colégio Jesuíta de São Fiel, no Louriçal do Campo. Formado em Direito, um Homem da Carbonária, precursor das Queimas das Fitas de Coimbra. Todos os anos os Estudantes Coimbrãos lhe prestam homenagem. Um Cavaleiro Andante.

Rua Nova, Rua da Fonte, onde se encontra uma das mais antigas fontes de Aldeia de Joanes, num casario medieval. Algumas habitações, na defesa do Património Cultural, têm de ser preservadas, por exemplo um balcão filipino (há quem defenda a sua origem romana). No percurso, numa residência, um portal de uma janela manuelina, coberto com cal branca.

Rua e Largo de São Tiago, na sua requalificação foi proposto um memorial em homenagem àquele santo, discípulo de Jesus, mas que não teve eco, não teve concretização.

Rua Couto, a lembrar um local de caça, de caçadores, lugar de abrigo.

Rua e Travessa do Castelo, indicação que em tempos remotos existiu ali uma fortaleza, um castelo. Ali perto a Capelinha de Nossa Senhora do Amparo.

Não muito longe a Travessa do Paço, que recorda a moradia e terrenos do Dr. Orbílio Barbas, espaço de interesse municipal.

Rua do Alto, local cimeiro, lugar das alturas

Rua do Chafariz Velho, talvez o primeiro chafariz a abastecer a primitiva população de água.

Rua da Igreja, a rua de maior extensão da freguesia, terminado a poente com a Igreja Matriz, classificada de interesse municipal. Ao seu lado, tem o Largo do Arcipreste, (árvore há anos derrubada) e o 25 de Abril. Num texto, a propósito dos 271 anos da criação do Concelho do Fundão, num Catálogo de todas as Igrejas, Comendas e Mosteiros que havia nos Reinos de Portugal e do Algarve, no respeitante à Diocese da Guarda, a Igreja de São Martinho do Fundão pagava 50 libras, “só lhe avantajando Aldeia de Joanes.” Mais palavras para quê? Actualmente agrupada a outras freguesias, Aldeia de Joanes é uma das freguesias mais populosas do Concelho do Fundão e, perante a História, devia ter no seu território a sede municipal.

Ao lado da Igreja a Travessa do Adro, onde as crianças ainda brincam como na nossa infância.

Quanto a caminhos, há o Caminho do Ribeiro do Seixo, que nasce nas encostas norte da Serra da Gardunha.

Caminho e Beco de São Pelágio, que a meio caminho tinha uma capela dedicada a este santo, imagem colocada na Igreja Matriz, um guerreiro visigótico que no primeiro século do Cristianismo afastou os Muçulmanos das Astúrias, nos Picos da Europa, nos Lagos Covadonga. Ali encontra-se uma grande estátua e um mosteiro com o seu nome. Junto as Courelas das Minas, há quem afirme que por aqueles corredores clandestinos passavam os frades para o Convento de Santo António.

Perante estas histórias, estas existências, há razões suficientes para um acordo cultural, religioso e turístico entre Covadonga (Astúrias) e Aldeia de Joanes (Fundão).

Caminho dos Olivais, rodeado de Oliveiras, um espaço de lazer com um recinto desportivo, onde se faziam as grandes festas anuais como a Nossa Senhora do Amparo, com um lagar de azeite derrubado, os lavadouros públicos, um caminho estreito que agora inventaram para passarem por lá os mortos e alguns vivos, e não passarem pelo coração da sua Aldeia que tanto amaram.

Este Caminho dos Olivais foi perpetuado pelo Grupo de Cantares de Aldeia de Joanes, músicas e letras, gravando um CD com o título “ao Cimo dos Olivais”.

Caminho de Nossa Senhora do Miradouro, com a Senhora numa capelinha, a observar as gentes das caminhadas, em fundo a Cova da Beira e a Serra da Estrela.

Caminho da Calçada do Convento, por onde passou Gil Vicente, o criador do Teatro Português.

Caminho do Serrado, onde fica a Quinta do Serrado, fértil em azeite com um lagar privativo (fechado pela União Europeia). Também nos indica o local onde se serrava e trabalhava a madeira. Em Aldeia de Joanes havia grandes mestres de carpintaria e marcenaria, o que justificaria uma oficina ou escola de saberes. Os melhores galináceos ainda ali são criados, com os sons do zurrar dos burros, de quatro patas, animais em vias de extinção.

Caminho da Quinta da Ramalha, onde se produzia o melhor vinho nos terrenos do Dr. Orbílio Barbas, olival, muita fruta e rama, hoje revestida com bonitas vivendas.

Caminho da Quinta da Barrosa indica-nos uma terra de barros, não fica muito longe a Freguesia do Telhado, a terra-museu do barro. Local de terra barrenta.

Caminho da Quinta das Tílias, que liga a um outro caminho para o Fundão, que um poderoso proprietário queria ocupar, a ponto de aí se ter deslocado a Assembleia de Freguesia de Aldeia e Joanes, que em acta, por unanimidade de votação, decidira que o caminho é público desde sempre, e que o Povo de Aldeia de Joanes deve estar atento para não vedarem uma via que é propriedade de todos os que lá queiram passar em caminhadas ou outros serviços. Junto a este Caminho, a célebre Quinta das Tílias, propriedade da família do Senhor Armando Carneiro, que no século passado deu trabalho agrícola a muitos habitantes de Aldeia de Joanes. É casario digno de ser observado com as suas tílias, flor medicinal para acalmar os nervos e não só…

Caminho da Caldeireira, cuja origem desconheço. Será que havia uma oficina de caldeiras? Tudo indica que é terreno onde se fazem as caldeiras, as cavas em volta das árvores para as alimentar das águas dos poços.

Caminho Feital, povoado com muitas habitações, principalmente de emigrantes, e campos agrícolas, onde pastam ovelhas e carneiros. Outrora abundavam os fetos, verdejantes, mas não convenientes para a agricultura, com a excepção de neles se depositarem as cerejas a caminhos da comercialização.

Caminho de Santiago, quando deixamos a EN 323, de ligação Telhado-Paul-Barco-Erada –Coimbra, que nos leva à última morada, com a bênção do santo recolhido na Capela, no interior do Cemitério. Dos meus estudos, este Caminho estava inserido na Via Nascente dos Caminhos de Santiago de Compostela. Esta Via Nascente iniciava-se no percurso Algarve – Tavira - Estremoz - Fronteira – Trancoso. Neste itinerário, era obrigatório passar por Aldeia de Joanes, por razões de estratégia, de morfologia de terrenos e de apoio. Por estes e outos motivos, não é por acaso que Aldeia de Joanes tem uma Capela, um Largo e um Caminho dedicado a Santiago.

Caminhos da Quinta da Nave de Cima e de Baixo, com diversas vivendas, a minha pátria rural. A morfologia do terreno indica-nos o nome atribuído.

Caminho dos Carvalhos – Panasqueira – Tijolos, onde há habitações, não faltando os carvalhos, algo ligado às Minas da Panasqueira e ao fabrico de tijolos.

Caminho do Figueiredo, com a respectiva Fonte de mergulho, que segundo a tradição foi companheira de Mouras encantadas e Cristãs e Cristãos arrependidos, segundo Fernando Lambelho. Local de figueiras e de pinheiros escandinavos.

Caminho da Lameira Longa, conjunto de lameiros de erva no Inverno-Primavera, no Verão fenos e nos restantes meses pasto para os animais.

Caminho da Seixinha, que dá acesso à grande zona agrícola das Quintas de S. José, com uma Capela em sua honra e devoção. Caminho de pequenos rochedos e pedras (seixos).

Praceta de Nossa Senhora do Miradouro e Praceta do Soutinho de Nossa Senhora do Miradouro, onde abundavam muitos castanheiros, cujos frutos navegaram nas Caravelas dos Descobrimentos. Junto à Senhora do Miradouro, havia um “Soutinho”, um pequeno souto.

Há o Loteamento de São Sebastião, junto à Escola Básica, onde estão a construir umas dezenas de andares e residências para albergar muitas famílias.

Conheço cidades que não têm uma Toponímia tão vasta e enriquecedora de dados históricos, religiosos e sociais, como tem Aldeia de Joanes.

Há, infelizmente, quem desconheça estes terrenos onde vive ou tem os seus filhos no infantário, na escola, nos escuteiros. Com grande pena minha, não lutam por valorizar a aldeia que os acolheu.

Se um dia houver Memória, as gentes do poder local de Aldeia de Joanes irão enriquecer a toponímia com um monumento e o nome de uma avenida aos muitos Estudantes da Universidade de Salamanca que tiveram aqui o seu berço. Não são fictícios, são nomes reais. Seria, pois, enriquecedor, justo e edificante colocar à entrada nascente, na Rotunda, em frente à Escola Básica de Aldeia de Joanes, um MONUMENTO DE HOMENAGEM, a perpetuar a vida académica de muitas dezenas de Estudantes Universitários de Salamanca, oriundos de Aldeia de Joanes.

Convide-se um bom escultor… e mãos à obra.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Junho/2018

 

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