Alexandria 2004
Autor: Célia Aldegalega on Sunday, 14 February 2021
Alexandria 2004
Derramada sobre Faros, maravilha ausente
meus olhos não alcançam o lugar onde se ergueu.
Não há silêncio nem horas mortas
o tráfego é perfurado por cascos
que devolvem o mesmo som antigo
noite e dia.
Aliados na interseção dos tempos,
só o mar e os cavalos se conhecem.
Fico com a marcha lenta dos cavalos
o mar
e o respirar impercetível de outra gente.
Sobraram do jantar
falácias históricas
fermentadas com guloso interesse.
A pretensa sabedoria errou as datas,
encostou-se ao silêncio
divergiu na conversa paralela
Devorei as palavras à nascença
antes que desvendassem
a química das maldições
Saber
é dar ouvidos à alma
escutar o que ela diz.
Moro aqui um átimo, apenas de passagem
Só a tempo de invocar
as pedras magnas
e rever o perfil pequeníssimo dos navios
que ao longe são de agora, e sempre.
No Cairo
pirâmides como dedos de titãs
apontam o que foi,
e a Esfinge cala.
Retenho o memorial de vidro
do que houve para saber
e está perdido
é a biblioteca reerguida
em oblongo verde apologético
Hypatia é morta ainda
O corpo exangue
e nu
esvaído em tinta.
É esta a sequência ilógica dos factos.
Estou aqui
mas de passagem
só a tempo de rasgar a mão
numa concha de memórias entreabertas.
As rosas ainda cheiram
entre as páginas do livro
e o mar é o mesmo
proporcional e antigo.
Estou certa, como num regresso a casa.
Em sonho,
a asa de Ísis roça-me a fronte
murmurando
É esta a ordenação possível
Depois do derrubar das pedras
C. Pontes Rosa, e Ísis
agosto de 2004, na varanda do quarto Omar Sharif, Hotel Cecil, Alexandria
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Comentários
WILSON CORDEIRO...
3ª, 16/02/2021 - 00:29
Permalink
Belo
Parabéns poetisa
belissimo poema.
Abraço.
Célia Aldegalega
Dom, 21/02/2021 - 22:16
Permalink
Muito obrigada, um abraço.
Muito obrigada, um abraço.