APPARIÇÃO

    Como esse olhar é dôce!
    Dôce da mesma sorte
    Como se nunca fosse
    Toldado pela morte:

    Como se alumiasse
    O sol ainda em vida
    As rosas d'essa face...
    Agora carcomida.

    Colhesse-as eu mais cedo
    E logo que alvorece;
    Já não tivesse medo
    Que a terra m'as comesse.

    Mas pura, como a neve
    Que ás vezes cahe na serra,
    É que a nossa alma deve
    Tambem voar da terra.

    Gelasse a morte fria
    A mão profanadora
    Que te ennublasse um dia
    A luz que dás agora.

    É n'essa côr tão linda,
    Rosa da madrugada!
    Que sinto a alma ainda
    Andar-me enfeitiçada.

    Se um dia nos meus braços
    Te desbotasse as côres,
    Passavam os abraços...
    Passavam os amores!

    Oh! não: mil vezes antes
    No céo lá onde habitas,
    E os rapidos instantes
    Que vens e me visitas

    N'este degredo nosso,
    Que tanta gente estima,
    E eu, só porque não posso,
    Não largo e vou lá cima.

    Vem tu cá baixo, abala,
    Deixa em podendo o collo
    Tão terno que te embala,
    E vem-me dar consolo.

    Como essa imagem pura
    Ah! sobrevive ao nada
    E escapa á sepultura,
    Tão fresca e perfumada!

    Nunca uma noite eu deixe
    De estar a vêr que existes,
    Em quanto me não feche
    O somno os olhos tristes.

    E n'esse largo espaço
    Que te não vejo, espero
    Lhe contes o que eu passo
    N'este aspero desterro:

    Que assim que te não veja
    É noite fria e escura,
    Noite que mette inveja
    Á mesma sepultura!

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