Calou-se o monge: sepulchral silencio

Calou-se o monge: sepulchral silencio
Á sua voz seguiu-se. Uma toada
De orgam rompeu do côro. Assemelhava
O suspiro saudoso, e os ais de filha,
Que chora solitaria o pae, que dorme
Seu ultimo, profundo e eterno somno.
Melodias depois soltou mais doces
O severo instrumento: e ergueu-se o canto,
O doloroso canto do propheta,
Da patria sobre o fado. Elle, que o vira,
Sentado entre ruinas, contemplando
Seu avito esplendor, seu mal presente,
A quéda lhe chorou. Lá na alta noite,
Modulando o Nebel, via-se o vate
Nos derribados porticos, abrigo
Do immundo stellio e gemedora poupa,
Extasiado--e a lua scintillando
Na sua calva fronte, onde pesavam
Annos e annos de dôr. Ao venerando
Nas encovadas faces fundos regos
Tinham aberto as lagrymas. Ao longe,
Nas margens do Kedron, a ran grasnando
Quebrava a paz dos tumulos. Que tumulo
Era Sião!--o vasto cemiterio
Dos fortes de Israel. Mais venturosos
Que seus irmãos, morreram pela patria;
A patria os sepultou dentro em seu seio.
Elles, em Babylonia, aos punhos ferros,
Passam de escravos miseranda vida,
Que Deus pesou seus crimes, e, ao pesa-los,
A dextra lhe vergou. Não mais no templo
A nuvem repousára, e os céus de bronze
Dos prophetas aos rogos se amostravam.
O vate de Anathot a voz soltára
Entre o povo infiel, de Eloha em nome:
Ameaças, promessas, tudo inutil;
De bronze os corações não se dobraram.
Vibrou-se a maldicção. Bem como um sonho
Jerusalem passou: sua grandeza
Sómente existe em derrocadas pedras.
O vate de Anathot, sobre seus restos,
Com triste canto deplorou a patria.
Hymno de morte alçou: da noite as larvas
O som lhe ouviram: squallido esqueleto,
Rangendo os ossos, d'entre a hera e musgos
Do portico do templo erguia um pouco,
Alvejando, a caveira.--Era-lhe allivio
Do sagrado cantor a voz suave
Desferida ao luar, triste, no meio
Da vasta solidão que o circumdava.
O propheta gemeu: não era o estro,
Ou o vívido jubilo que outr'ora
Inspirára Moysés: o sentimento
Foi sim pungente de silencio e morte,
Que da patria lhe fez sobre o cadaver
A elegia da noite erguer e o pranto
Derramar da esperança e da saudade.

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