CATURRAS
Ah! compadre, a gente foge,
Desabelha com calor;
Aqui faz fresco na loge,
É onde se está melhor;
Mas que calor que fez hoje!
--Pois, olhe, assim eu me désse
De inverno quando faz frio,
Como agora que elle aquece.
Tome dois banhos no rio,
Logo vê como arrefece.
--Compadre, nunca me traga
Taes coisas á collação;
Lembra-me a maldita draga,
Compadre do coração!
Não me falle n'essa praga!
--Tenho-lhe a mesma amizade
Que o meu compadre lhe tem,
Ás vezes dá-me vontade
Até de a tragar tambem...
Digo-lhe isto com verdade.
--Ha-de isto chegar a pontos
Que quem viver ha-de vêr!
Já lá vão setenta contos,
E a draga a apodrecer,
E trabalhos nenhuns promptos.
--Setenta, diz o compadre?
Dão-lhe elles esse verniz...
Lá como a sua comadre...
Mas eu cá o que ella diz
É como o que diz o padre...
--Pois inda isso continúa?
--Eu sei lá, compadre, eu sei!
Ora canta, ora se amua...
Eu é que já me lembrei
De a pôr um dia na rua!
--Compadre, tenha miolo,
Isso não se faz assim;
Eu não me tenho por tolo,
E ponha os olhos em mim...
Sirva-lhe isso de consolo.
--Pois bem sei que é ninharia,
Mas o compadre o que quer?
Estimo a minha Maria,
E isto de homem com mulher...
Mas vamos á vacca fria:
Com que a draga...--É empregada,
Coisa que nunca se viu,
Sendo uma peça aceada,
A tirar lama do rio!
Parece isto caçoada...
--E caçoada indecente
Porque outra coisa não é.
Mais economicamente
Quando vasasse a maré
A tirava mesmo a gente.
--E depois aquillo é lodo
Que nunca póde prestar.
Veja aterrar o caes todo
Quando não ha-de importar...
É gastar dinheiro a rodo.
--Haja decima e derrama;
Por causa do quê? do caes,
Da draga ou como se chama,
E outras coisinhas que taes
Que tudo a final é lama.
Pois sendo tudo bem feito
Como á antiga, vá lá!
Mas olhe, o caes não tem geito;
De tudo quanto alli ha,
A meu gosto, o parapeito.
--Sim, senhor, obra segura,
Obra como deve ser;
Feio e forte; é o que dura:
Foi sempre o que ouvi dizer
A quem está na sepultura...
--Mas era tudo escusado;
N'esta, compadre, é que estou;
E isto dá-me algum cuidado,
Que o que meu pai me deixou
Não foi nada mal ganhado.
--Pois e, se quer que lhe conte,
Já se ahi falla outra vez
Em mandar fazer a ponte:
Cuida esta gente talvez
Que temos alguma fonte...
--E havendo então uma barca...
Como a Arca de Noé!
Lá porque a gente se enxarca
E não póde andar a pé
Quando embarca e desembarca.
--Escarranchem-se ao cachaço
Dos marujos: pois então?
Cá em taes obras nem passo
Que pernas minhas darão;
É gosto que lhes não faço.
--Nada! havemos de ir agora
Vêr ambos o que lá vai;
Que a nós aquillo por ora
Bem sei que nos não distrahe;
Mas temos pouca demora.
--Pois vamos, compadre, vamos.
Sentamo-nos nos poiaes,
Alli mesmo conversamos
Ambos sósinhos no caes,
E depois logo voltamos.
Portimão.