CONTRARIEDADES
Autor: Cesário Verde on Sunday, 6 January 2013
Eu hoje estou cruel, frenetico, exigente; Nem posso tolerar os livros mais bizarros. Incrivel! Já fumei tres massos de cigarros Consecutivamente. Doe-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos: Tanta depravação nos usos, nos costumes! Amo, insensatamente, os acidos, os gumes E os angulos agudos. Sentei-me á secretaria. Alli defronte móra Uma infeliz, sem, peito, os dois pulmões doentes; Soffre de falta d'ar, morreram-lhe os parentes E engomma para fóra. Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! Tão livida! O doutor deixou-a. Mortifica. Lidando sempre! E deve a conta á botica! Mal ganha para sopas... O obstaculo estimula, torna-nos perversos; Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, Por causa d'um jornal me regeitar, ha dias, Um folhetim de versos. Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta No fundo da gaveta. O que produz o estudo? Mais d'uma redacção, das que elogiam tudo, Me tem fechado a porta. A critica segundo o methodo de Taine Ignoram-n'a. Juntei n'uma fogueira immensa. Muitissimos papeis ineditos. A imprensa Vale um desdem solemne. Com raras excepções merece-me o epigramma. Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo, Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho Diverte-se na lama. Eu nunca dediquei poemas ás fortunas, Mas sim, por deferencia a amigos ou a artistas, Independente! Só por isso os jornalistas Me negam as columnas. Receiam que o assignante ingenuo os abandone, Se forem publicar taes cousas, taes auctores. Arte? Não lhes convem, visto que os seus leitores Deliram por Zaccone. Um prosador qualquer desfructa fama honrosa, Obtem dinheiro, arranja a sua «coterie»; E a mim, não ha questão que mais me contrarie Do que escrever em prosa. A adulação repugna aos sentimentos finos; Eu raramente falo aos nossos litteratos, E apuro-me em lançar originaes e exactos, Os meus alexandrinos... E a tisica? Fechada, e com o ferro acceso! Ignora que a asphyxia a combustão das brazas, Não foge do estendal que lhe humedece as casas, E fina-se ao desprezo! Mantem-se a chá e pão! Antes de entrar na cova. Esvae-se; e todavia, á tarde, fracamente, Oiço-a cantarolar uma canção plangente D'uma opereta nova! Perfeitamente. Vou findar sem azedume. Quem sabe se depois, eu rico e n'outros climas, Conseguirei reler essas antigas rimas, Impressas em volume? Nas lettras eu conheço um campo de manobras; Emprega-se a réclame, a intriga, o annuncio, a blague, E esta poesia pede um editor que pague Todas as minhas obras... E estou melhor; passou-me a colera. E a visinha? A pobre engommadeira ir-se-ha deitar sem ceia? Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia... Que mundo! Coitadinha!
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