A CONVALESCENTE NO OUTONO

 

     
      Revive teu rosto pallido
      Á chamma do meu amor;
      De novo com mais ardor
      Pula em teu seio, querida,
      O sangue, o prazer, a vida.

      O sopro que na existencia
      D'esta luz nos illumina,
      Não se ha de extinguir jámais;
      Oh! provém da mesma essencia,
      Da mesma porção divina,
      Com que a mão da Providencia
      Torna as almas immortais!
      Firma teu braço ao meu braço,
      Vem commigo respirar
      Este ar vivo e salutar.

      Não sentes na luz do ceo,
      E no perfume saudoso
      Do bosque espesso e formoso,
      Que o doce outono volveu?
      As folhas que pelo chão
      Crestadas dispersa o vento,
      Não desprendem um lamento
      Que intristece o coração!?

      E a voz d'essa ave amorosa,
      Que alem na balsa murmura,
      Melancolico modilho,
      Não parece a voz saudosa
      Da mãe que adormenta o filho
      Entre os braços com ternura?

      D'aquelle pobre casal,
      O fumo que vae subindo
      Em ondulante espiral,
      Não diz que em volta do lar
      Se reune a pobre gente,
      Que já de perto pressente,
      O frio inverno chegar?

      Não vês que ha tanta tristeza
      Na voz que se eleva a Deus
      Agora da natureza!
      Oh! mas como aos olhos teus,
      E como ao meu coração
      É grata a melancolia
      D'esta languida estação!

      Toda a explendida poesia
      Do ceo, da terra, e das flores,
      Quando mil cansões de amores
      Improvisa o rouxinol,
      Alegrando o mez de maio
      Desde os clarões do arreból
      Até que em doce desmaio
      Nas aguas se occulte o sol,
      Terá, sim, tem mais frescura,
      Mais vida e mais esplendor,
      Mas não tem tanta ternura,
      Nem respira tanto amor!

      Paremos aqui, descansa
      Um momento neste abrigo;
      O sopro da aragem mansa
      Anda em roda a murmurar,
      E um raio de sol amigo,
      A teus pés se vem prostrar
      ...........................
      Oh! que noites de amargura!
      Que horas lentas de agonia!
      Que instantes naquelle dia,
      Quando tu sem voz, sem gesto,
      Suspensa num fio a vida...
      Emfim te julguei perdida!

      Chegára a noite; uma estrella,
      Uma só, não transluzia
      No ceo triste e carregado;
      Oppresso e desalentado,
      O coração me batia.

      Pouco a pouco no horisonte
      Foi rompendo a nevoa densa;
      Era a vida, a luz, o dia,
      Aquella alegria immensa,
      Que no murmurar da fonte,
      No perfume da campina,
      Na brisa e na voz divina
      Do amoroso rouxinol,
      Seduz, arrebata, inspira,
      Quando acorda a terra em canticos,
      Aos raios vivos do sol!

      «Pois tudo se anima agora,
      Tudo nasce com a aurora,
      Tudo é vida e tudo é luz;
      Só nesta face adorada,
      Inerte, fria, gelada,
      Nem um só clarão reluz!»

      Ouviu Deus naquelle instante
      A minha supplica ardente;
      Em teu lívido semblante
      Vi despontar docemente
      Um reflexo semelhante
      Ao que o sol derrama á tarde
      Sobre as nuvens do ponente.

      Prostrei-me a rogar então;
      E essa estrella de bonança,
      Essa casta divindade,
      Risonha irmã do infortunio,
      Companheira da saudade,
      Que o mundo chama--Esperança--
      Senti-a no coração!

      Com aquelle sol explendido
      Que rompêra a nevoa densa,
      E com a alegria immensa
      Do mar, da terra, e dos ceos,
      Quiz de novo a Providencia
      Que eu visse nos olhos teus
      O mundo, a luz, a existencia!

      Agora pois, neste instante,
      Agora, que lá distante,
      O sino da pobre ermida
      Dá signal do fim do dia,
      Co' a prece da _Ave-Maria_,
      Ergâ-mos, ambos querida,
      Graças mil a Deus piedoso,
      Por te haver tornado á vida!

Setembro de 1854.
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Grande obra, cheia de belas frases e pensamentos.