A D. CANDIDA NAZARETH
A D. CANDIDA NAZARETH
Por occasião da morte de sua irmã Rachel e, poucos dias depois, de sua mãi
Despe o luto da tua soledade
E vem junto de mim, lirio esquecido
Do orvalho do céo!
Tens nos meus olhos pranto de piedade,
E se és, mulher! irmã dos que hão soffrido,
Mulher! sou irmão teu.
Consolos não te dou, que não existe
Quem de lagrimas suas nunca enxuto
Possa as d'outro enxugar:
Não póde allivios dar quem vive triste,
Mas é-me dôce a mim chorar se escuto
Alguem tambem chorar.
Botão de rosa murcho á luz da aurora!
Que peccado equilibra o teu martyrio
Na balança de Deus?
Se é como justo e bom que elle se adora
Quem te ha mudado a ti, ó rosa! em lirio,
E em lirio os labios teus?
Não enche elle de balsamos o calix
Da flôr a mais humilde, e esses espaços
Não enche elle de luz?
Não veio o Filho seu, lirio dos valles!
Só por amor de nós tomar nos braços
Os braços d'uma cruz?
Mulher, mulher! quando eu n'um cemiterio
Levanto o pó dos tumulos sósinho:
Eis, digo, eis o que eu sou.
Mas quando penso bem n'esse mysterio
Da virtude infeliz: vai teu caminho;
Dois mundos Deus creou.
Deus não dispara a setta envenenada
Á pombinha que aos ares despedira
Com mão traidora e vil.
Imagem sua, Deus não volve ao nada,
Não aniquila a flôr que ao chão cahira
Lá d'esse eterno abril.
Has-de, cysne! expirando alçar teu canto,
Has-de lá quando a lua da montanha
Te acene o extremo adeus,
Voar, Candida! ao céo, e ebria de encanto,
No oceano d'amor que as almas banha,
Unir teu canto aos seus.
Seus, d'ellas, mãi e irmã, cinzas cobertas
D'um só jacto de terra... oh desventura!
Oh destino cruel!
Vejo-as ainda ir com as mãos incertas
Guiando-se uma á outra á sepultura,
E a mãi: Rachel! Rachel!
Coimbra.