DE VERÃO

 

A Eduardo Coelho

I

No campo; eu acho n'elle a musa que me anima:
   A claridade, a robustez, a acção.
   Esta manhã, saí com minha prima,
   Em que eu noto a mais sincera estima
   E a mais completa e séria educação.

II

Creança encantadora! Eu mal esboço o quadro
   Da lyrica excursão, d'intimidade
   Não pinto a velha ermida com seu adro;
   Sei só desenho de compasso e esquadro,
   Respiro industria, paz, salubridade.

III

Andam cantando aos bois; vamos cortando as leiras;
   E tu dizias: «Fumas? E as fagulhas?
   Apaga o teu cachimbo junto ás eiras;
   Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras!
   Quando me alegra a calma das debulhas!»

IV

E perguntavas sobre os ultimos inventos
   Agrícolas. Que aldeias tão lavadas!
   Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!
   Olha: Os saloios vivos, corpulentos,
   Como nos fazem grandes barretadas!

V

Voltemos. Na ribeira abundam as ramagens
   Dos olivaes escuros. Onde irás?
   Regressam os rebanhos das pastagens;
   Ondeiam milhos, nuvens e miragens,
   E, silencioso, eu fico para traz.

VI

N'uma collina azul brilha um logar caiado.
   Bello! E arrimada ao cabo da sombrinha,
   Com teu chapéo de palha, desabado,
   Tu continúas na azinhaga; ao lado
   Verdeja, vicejante, a nossa vinha.

VII

N'isto, parando, como alguem que se analysa,
   Sem desprender do chão teus olhos castos,
   Tu começaste, harmonica, indecisa,
   A arregaçar a chita, alegre e lisa
   Da tua cauda um poucochinho a rastos.

VIII

Espreitam-te, por cima, as frestas dos celleiros;
   O sol abrasa as terras já ceifadas,
   E alvejam-te, na sombra dos pinheiros,
   Sobre os teus pés decentes, verdadeiros,
   As saias curtas, frescas, engommadas.

IX

E, como quem saltasse, extravagantemente,
   Um rego d'agua sem se enxovalhar,
   Tu, a austera, a gentil, a intelligente,
   Depois de bem composta, déste á frente
   Uma pernada comica, vulgar!

X

Exotica! E cheguei-me ao pé de ti. Que vejo!
   No atalho enxuto, e branco das espigas
   Caidas das carradas no salmejo,
   Esguio e a negrejar em um cortejo,
   Destaca-se um carreiro de formigas.

XI

Ellas, em sociedade, espertas, diligentes,
   Na natureza trémula de sede,
   Arrastam bichos, uvas e sementes;
   E atulha, por instincto, previdentes,
   Seus antros quasi occultos na parede.

XII

E eu desatei a rir como qualquer macaco!
   «Tu não as esmagares contra o solo!»
   E ria-me, eu ocioso, inutil, fraco,
   Eu de jasmim na casa do casaco
   E d'oculo deitado a tiracolo!

XIII

«As ladras da colheita! Eu se trouxesse agora
   Um sublimado corrosivo, uns pós
   De solimão, eu, sem maior demora,
   Envenenal-as-hia! Tu, por ora,
   Preferes o romantico ao feroz.

XIV

Que compaixão! Julgava até que matarias
   Esses insectos importunos! Basta.
   Merecem-te espantosas sympathias?
   Eu felicito suas senhorias,
   Que honraste com um pulo de gymnasta!»

XV

E emfim calei-me. Os teus cabellos muito loiros
   Luziam, com doçura, honestamente;
   De longe o trigo em monte, e os calcadoiros,
   Lembravam-me fusões d'immensos oiros,
   E o mar um prado verde e florescente.

XVI

Vibravam, na campina, as chocas da manada;
   Vinham uns carros a gemer no outeiro,
   E finalmente, energica, zangada,
   Tu inda assim bastante envergonhada,
   Volveste-me, apontando o formigueiro:

XVII

«Não me incommode, não, com ditos detestaveis!
   Não seja simplesmente um zombador!
   Estas mineiras negras, incançaveis,
   São mais economistas, mais notaveis,
   E mais trabalhoras que o senhor.»
Género: