EREMITA E POETA

EREMITA E POETA

 

Decorre a efeméride dos quatrocentos anos da morte de Frei Agostinho da Cruz, um poeta clássico e eremita. Este poeta arrábido escreveu elegias, éclogas, endechas e sonetos.

Nos tempos correntes, com tantas “reformas, alterações constantes e novas ideias”, o ensino secundário tem vindo a abandonar nos programas oficiais do ensino a maioria dos escritores clássicos da Língua Portuguesa, com poucas excepções.

No meu tempo de estudante, no chamado terceiro ciclo liceal, quem não conhecesse profundamente a vasta obra clássica, não tinha possibilidades de entrar no ensino superior.

Nestes tempos turbulentos e conturbados do nosso ensino, muito recentemente, esteve quase para ser banido “OS MAIAS” de Eça de Queiroz, uma obra de referência do realismo português. Salvou-se por pouco do naufrágio, que é o rumo para onde vai o ensino básico e secundário em Portugal, com incompreensões e faltas do poder político, causadoras de consecutivas greves de professores, que estão cansados de tanta indecisão, descoordenação e injustiça. Também os estudantes, para defender o Planeta, já fazem greve às aulas durante um dia, o que é bom para chamar a atenção para o bem do ambiente.

Em todo este contexto que me preocupa, e muito, acabo de ler na primeira página de um semanário de prestígio nacional, que “as Escolas cortam nas aulas de História.” Se para muitos fariseus a página da História de Portugal não tem interesse, e a da humanidade muito menos, para quê dar “seca” aos alunos, presentemente muito mais interessados nas redes sociais?

Para muitos jovens estudantes dos nossos dias já lhes é difícil entender a palavra clássico, muito mais a palavra eremita.

Vivemos num mundo de manifestações, de migrações em massa, de distúrbios, de corrupções, de desvios, de falsas promessas, de notícias falsas como Judas, e muitas vezes apetece um refúgio, uma ilha isolada, um local onde seja possível uma vida contemplativa com a natureza, afastada desta realidade virtual cheia de ruídos, na procura da paz interior, da solidão perto das nuvens e do céu. Foi assim a vida de Frei Agostinho da Cruz.

Nasceu no planalto do Minho, em Ponte da Barca, em 1540, com o nome de Agostinho Pimenta. Ao entrar para o Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra, onde habitou durante umas dezenas de anos, como noviço, adoptou o nome de Frei Agostinho da Cruz, talvez cansado com tantas especiarias, principalmente a pimenta vinda das Índias.

Em 1605, escolheu como habitação uma cela no Convento da Arrábida, na serra com o mesmo nome, fazendo vida de eremita.

Na comemoração de tão importante efeméride, o escritor e investigador Ruy Ventura prepara uma ampla antologia da sua obra poética.

No Convento da Arrábida está previsto um colóquio sobre a vida e obra de Frei Agostinho da Cruz, acção louvável que possibilita a quem não conhece a obra deste homem reviver, no seu ambiente, os seus trabalhos mais emblemáticos.

Em Setúbal, cidade onde faleceu em 1616, irá realizar-se uma conferência proferida por D. José Tolentino Mendonça, figura da nossa literatura, teólogo e poeta, e actualmente ao serviço no Vaticano como responsável do Arquivo Histórico da Santa Sé.

Nos anos sessenta do século passado, passados quase quatrocentos anos, calcorreei alguns dos percursos agostinianos.

Naquelas paragens paisagísticas da Serra da Arrábida, das mais belas de Portugal, onde se está perto do mar e das nuvens, além de diversas caminhadas, ocorrem diversos acampamentos de escuteiros da Região de Setúbal.

Neste mesmo Convento muitos caminheiros, e candidatos a dirigentes do CNE (Corpo Nacional de Escutas), realizaram módulos de formação escutista, preparando-se para mais tarde fazerem e assumirem o compromisso nas investiduras (para quem já pertence ao movimento) ou promessas (para quem agora entrou para o movimento).

Foi uma oportunidade única para se fazer uma visita detalhada a este Convento e sabermos como era a vida monástica dos frades arrábios.

Nos anos noventa tive a oportunidade de visitar a Casa Episcopal, na Freguesia da Anunciada, no Bairro da Fonte Nova, o local onde Frei Agostinho da Cruz se despediu dos vivos, perpetuando-se a sua memória através da rua que bordeja a Casa onde antes residia o Bispo de Setúbal.

Quem tiver oportunidade de visitar o Parque do Bonfim, também em Setúbal, entre diversas esculturas expostas no recinto, numa coleção em cerâmica “OS PASMADINHOS DE SETÚBAL”, da Escultora Maria Pó, ali encontra a imagem deste Frade Eremita. Esperemos salvaguardar para o futuro a memória e o trabalho de um servo da nossa cultura.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Março/2019

 

Género: