FLORES VELHAS
Autor: Cesário Verde on Saturday, 12 January 2013
Fui hontem visitar o jardimzinho agreste, Aonde tanta vez a luz nos beijou, E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste, Soberba como um sol, serena como um vôo. Em tudo scintillava o limpido poema Com osculos rimado ás luzes dos planetas; A abelha inda zumbia em torno da alfazema; E ondulava o matiz das leves borboletas. Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem, A imagem que inspirava os castos madrugaes; E as virações, o rio, os astros, a pasizagem, Traziam-me á memoria idyllios immortaes. Diziam-me que tu, no florido passado, Detinhas sobre mim, ao pé d'aquellas rosas, Aquelle teu olhar moroso e delicado, Que fala de languor e d'emoções mimosas; E, ó pallida Clarisse, ó alma ardente e pura, Que não me desgostou nem uma vez sequer, Eu não sabia haurir do calix da ventura O nectar que nos vem dos mimos da mulher. Falou-me tudo, tudo, em tons commovedores, Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes; As falas quasi irmãs do vento com as flores E a molle exhalação das varzeas rescendentes. Inda pensei ouvir aquellas coisas mansas No ninho de affeições creado para ti, Por entre o riso claro, e as vozes das creanças, E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri. Lembrei-me muito, muito, ó symbolo das santas, Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas, E sob aquelle ceo e sobre aquellas plantas Bebemos o elixir das tardes perfumadas. E nosso bom romance escripto n'um desterro, Com beijos sem ruido em noites sem luar, Fizeram-m'o reler, mais tristes que um enterro, Os goivos, a baunilha e as rosas de toucar. Mas tu agora nunca, ah! nunca mais te sentas Nos bancos de tijolo em musgo atapetados, E eu não beijarei, ás horas somnolentas, Os dedos de marfim, polidos e delgados... Eu, por não ter sabido amar os movimentos Da estrophe mais ideal das harmonias mudas, Eu sinto as decepções e os grandes desalentos E tenho um riso mau como o sorrir de Judas. E tudo emfim passou, passou como uma penna, Que o mar leva no dorso exposto aos vendavaes, E aquella doce vida, aquella vida amena, Ah! nunca mais virá, meu lyrio, nunca mais! Ó minha boa amiga, ó minha meiga amante! Quando hontem eu pisei, bem magro e bem curvado, A areia em que rangia a saia roçagante, Que foi na minha vida o ceo aurirosado, Eu tinha tão impresso o cunho da saudade, Que as ondas que formei das suas illusões Fizeram-me enganar na minha soledade E as azas ir abrindo ás minhas impressões. Soltei com devoção lembranças inda escravas, No espaço construi phantasticos castellos, No tanque debrucei-me em que te debruçavas, E onde o luar parava os raios amarellos. Cuidei até sentir, mais doce que uma prece, Suster a minha fé, n'um veo consolador, O teu divino olhar que as pedras amollece, E ha muito que me prendeu nos carceres do amor. Os teus pequenos pés, aquelles pés suaves, Julguei-os esconder por entre as minhas mãos, E imaginei ouvir ao conversar das aves As celicas canções dos anjos aos teus irmãos.
Género: