FRIGIDA

 

I

Balzac é meu rival, minha senhora ingleza!
Eu quero-a porque odeio as carnações redondas!
Mas elle eternisou-lhe a singular belleza
E eu turbo-me ao deter seus olhos côr das ondas.

II

Admiro-a. A sua longa e placida estatura
Expõe a magestade austera dos invernos.
Não cora no seu todo a timida candura;
Dansam a paz dos ceos e o assombro dos infernos.

III

Eu vejo-a caminhar, fleugmatica, irritante,
N'uma das mãos franzindo um lenço de cambraia!...
Ninguem me prende assim, funebre, extravagante,
Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia!

IV

Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite,
Mas nunca a fitarei d'uma maneira franca;
Traz o esplendor do Dia e as pallidez da Noite,
É, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca!

V

Podesse-me eu prostrar, n'um meditado impulso,
Ó gelida mulher bizarramente estranha,
E tremulo depor os labios no seu pulso,
Entre a macia luva e o punho de bretanha!...

VI

Scintilla no seu rosto a lucidez das joias.
Ao encarar comsigo a phantasia pasma;
Pausadamente lembra o silvo das giboias
E a marcha demorada e muda d'um phantasma.

VII

Metallica visão que Charles Baudelaire
Sonhou e presentiu nos seus delirios mornos,
Permitta que eu lhe adule a distincção que fere,
As curvas de magreza e o lustre dos adornos!

VIII

Deslise como um astro, uma astro que declina;
Tão descançada e firme é que me desvaria,
E tem a lentidão d'uma corveta fina
Que nobremente vá n'um mar de calmaria.

IX

Não me imagine um doido. Eu vivo como um monge,
No bosque das ficções, ó grande flor do Norte!
E, ao, perseguil-a, penso acompanhar de longe
O socegado espectro angelico da Morte!

X

O seu vagar occulta uma elasticidade
Que deve dar um gosto amargo e deleitoso,
E a sua glacial impassibilidade
Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso.

XI

Porem, não arderei aos seus contactos frios,
E não me enroscará nos serpentinos braços:
Receio supportar febrões e calefrios;
Adoro no seu corpo os movimentos lassos.

XII

E se uma vez me abrisse o collo transparente,
E me osculasse, emfim, flexivel e submisso,
Eu julgaria ouvir alguem, agudamente,
Nas trevas, a cortar pedaços de cortiça!
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