A GRAÇA.

Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O ferreo pé da dor,
E o hymno da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?

És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?

Oh, sim! és tu, que na infantil idade,
Da aurora á frouxa luz,
Me dizias:--acorda, innocentinho,
Faze o signal da cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses annos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d'ouro e purpura descendo
Co' as roupas a alvejar.
És tu, és tu! que ao pôr do sol, na veiga,
Juncto ao bosque fremente,
Me contavas mysterios, harmonias
Dos céus, do mar dormente.
És tu, és tu! que, lá, nesta alma absorta
Modulavas o canto,
Que de noite, ao luar, sósinho erguia
Ao Deus tres vezes sancto.
És tu, que eu esqueci na idade ardente
Das paixões juvenis,
E que voltas a mim, sincero amigo,
Quando sou infeliz.

  Sinto a tua voz de novo,
  Que me revoca a Deus:
  Inspira-me a esperança,
  Que te seguiu dos céus!...

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