A hum Leigo, que era vesgo...

_A hum Leigo, que era vesgo, e que nunca teve fastio; e a quem por acazo
tocou na cabeça a ponta de hum espadim_.

Ferio sacrilega espada,
Alçada por mão traidora,
Cabeça, que sempre fôra
Té aos Barbeiros vedada;
D'entre a grenha profanada
Corre o sangue á terra dura;
Tosquiou-se a matadura;
E o casco rebelde a ordens,
Precizou destas desordens
Para ter Prima Tonsura.

Feroz Soldado imprudente,
Que nova espada esgrimio,
Foi o ímpio que ferio
Esta victima innocente;
A quem do golpe insolente
O motivo lhe procura,
Diz que fez compra segura;
Pois duvidozo na escolha,
Quiz ver que tal era a folha,
Cortando por coiza dura.

Homem de tenção damnada,
Só tu conseguiste o fim
De entrar o teu espadim
Aonde não entra nada;
Da repentina estocada
Cahe o Padre desmaiado;
Mas quando recuperado
A ti os olhos volveo,
Sabes o que te valeo?
Foi teres já almoçado.

Todo o Mundo te pragueja,
Porque em detestavel guerra
Hias deitando por terra
Esta columna da Igreja;
Mas se triunfaste a inveja,
E o Padre morresse então,
Dize, ó ímpío coração,
Que tanto em furor te atiças,
Quem ajudaria ás Missas?
Quem tocaria ao Sermão?

Quem nos daria a certeza
De haver outro homem sizudo,
Que pudesse comer tudo
Ouanto se puzer na meza?
Da próvida Natureza
Quem havia as Leis seguir!
Observante em digerir
Qual outro havia saber
Depois de acordar, comer,
Depois de comer, dormir!

Que importa, ó cruel Soldado,
Para desculpar teu erro
Ter sido o teu ímpio ferro
Já pela Patria arrancado?
Que importa que em campo armado
Junto a si Lippe te veja,
Que importa que o Mundo seja
Das tuas acções o abono,
Se a mão que defende o Throno,
Ataca depois a Igreja?

E tu, que segues os trilhos,
Que S. Francisco te fez,
E pões os teus gordos pés
Sobre os seus santos ladrilhos;
Pois que a seus devotos filhos
Guarda no Ceo largas pagas,
Nos olhos he bem que o tragas,
E de modélo não mudes;
E pois não he nas virtudes,
Que o seja ao menos nas chagas.

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