INFÂNCIA

 

I

 

Este ídolo, de olhos negros e crina amarela, sem pais nem corte, mais nobre do

que fábulas, mexicanas e flamengas; seu domínio, arrogância verdeazul, se

espraia por praias batizadas, por ondas sem navios, com ferozes nomes gregos,

celtas, eslavos.

Nos confins da floresta — flores de sonho tilintam, explodem, resplendem, —

menino de lábios laranja, cruzando as pernas no dilúvio branco que brota dos

prados, sua nudez em sombra, de viés, vestida de arco-íris, mar, e flora.

Damas que giram nos terraços à beira-mar; infantas e gigantas, negras e

soberbas no musgo verdegris, jóias eretas no solo fértil dos bosquezinhos e

jardinzinhos em degelo — mães jovens e irmãs mais velhas, cheias de olhares

peregrinos, sultanas, princesas de trajes e passos tirânicos, estrangeirinhas e

pessoas docemente infelizes. Que tédio, a hora do “que corpo” e do “meu

bem”.

 

II

 

É ela, a pequena morta, atrás das roseiras. — A jovem mãe já falecida desce a

sacada. — A carruagem do primo grita sobre o — O irmãozinho está (lá na

Índia!) diante do poente, num campo de cravos.— Os velhos foram sepultados

em pé na muralha de alelises.

O enxame de folhas douradas rodeia a mansão do general. Eles estão no Sul.

— Segue-se a rua vermelha até chegar ao albergue vazio, O castelo está a

venda, as persianas estão caindo. — O padre deve ter levado a chave da igreja.

— Ao redor do parque, as casas dos vigias estão vazias.

As paliçadas são tão altas que só se vê os cimos sussurrando. Além disso,

não há nada lá dentro para ser visto.

 

prados remontam às vilas sem galos, sem bigornas. A represa está aberta. Ó

os Calvários e os moinhos do deserto, as ilhas e as moendas.

Flores mágicas zumbiam. As colinas o ninaram. Bichos circulavam sobre o

alto mar feito eternas lágrimas quentes.

 

III

 

Nos bosques tem um pássaro, você pára e cora com seu coro.

Tem um relógio que não toca nunca.

Tem uma brecha no gelo com um ninho de bichos brancos.

Tem uma catedral que sobe e um lago que desce.

Tem uma pequena carruagem abandonada na moita, ou que passa correndo,

decorada.

Tem uma trupe em trajes de comédia, espiada pela trilha da floresta.

 

E então, quando você tem fome e sede, tem sempre alguém que te manda

passear.

 

IV

 

Eu sou o santo, rezando no terraço, — como os animais pacíficos pastando

junto ao mar da Palestina.

Eu sou o sábio na poltrona sombria. Os galhos e a chuva se jogam contra a

vidraça da biblioteca.

Eu sou o andarilho da grande estrada entre os bosque anões; o rumor das

represas cobre meus passos. Me demoro vendo a triste fuligem dourada do

pôr-do-sol.

Eu bem podia ser a criança abandonada no cais de partida pro alto mar, o

caipira rodando as alamedas, sua cabeça roçando o céu.

Os caminhos são ásperos. Montesinhos se enchem de giestas. O ar está

parado. Que longe os pássaros e as fontes! Isso só pode ser o fim do mundo,

avançando.

 

V

 

Que me aluguem enfim este túmulo caiado, com linhas de cimento em relevo

— bem fundo na terra.

Cotovelos na mesa, a lâmpada ilumina muito bem esses jornais que releio de

idiota, esses livros sem interesse. —

A uma distância enorme acima da minha sala subterrânea, casas se enraízam,

brumas se reúnem. A lama é vermelha ou negra. Cidade monstro, noite sem

fim!

Menos alto, os esgotos. Dos lados, apenas espessura do globo. Talvez abismos

de azul, poços de fogo. São talvez nestes níveis que luas e cometas, fábulas e

mares, se encontrem.

Nas horas amargas, imagino bolas de safira, de metal. Eu sou o mestre do

silêncio. Por que uma aparência de respiradouro desbotaria num canto da

abóbada?

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